Fé e dúvida

por | out 27, 2020 | Formação, Reflexões | 0 Comentários

Convidamos vocês a descobrirem Frederico Ozanam através de seus próprios escritos, cofundador da Sociedade de São Vicente de Paulo e um dos membros mais queridos da Família Vicentina (embora, ainda pouco conhecido).

Frederico Ozanam escreveu muito nos seus 40 anos de vida. Estes textos – que chegam até nós de um passado não muito distante – são reflexos da realidade familiar, social e eclesial vivida por seu autor que, em muitos aspectos, tem muita semelhança com a que vivemos atualmente, particularmente no que se refere à desigualdade e à injustiça que sofrem milhões de empobrecidos em nosso mundo.

Comentário:

Ozanam é professor de Sorbonne há anos quando escreve este texto, uma reflexão sobre a importância da fé em sua vida, sobre como foram fundamentais sua família e o Abade Noirot. Faz parte da introdução que escreveu nas 21 aulas sobre a queda da civilização romana, que proferiu em Sorbonne e que foram publicadas após sua morte com o título: A civilização no século quinto[1].

Ozanam denomina o século XIX, como “um século do ceticismo”; sem dúvidas, assim foi na França após a Revolução, quando as crenças religiosas e a Igreja caíram em desgraça. Mesmo assim, Ozanam nunca sentiu vergonha de sua fé, nem a escondeu nos círculos universitários, lugares pouco dados à fé.

Porém, em sua adolescência, Ozanam passou por uma crise de fé. Para os vicentinos, esta crise de fé nos lembra aquela que São Vicente de Paulo também teve, aos 32 anos de idade:

Foi um caminho doloroso e purificador, uma noite cheia de dúvidas e trevas que, segundo seu primeiro biógrafo, durou três a quatro anos e encerrou ao tomar uma firme e definitiva decisão de colocar sua pessoa, a sua existência e toda sua vida ao serviço dos Pobres. Esta noite obscura […] há de se considerar como um momento decisivo em sua vida. É a noite da dúvida, das trevas, do vazio interior, do distanciamento de Deus, da desesperança. […] O fato é que, se dermos crédito ao primeiro biógrafo, seu espírito se iluminou e se transformou no momento que tomou uma decisão, ao nível da fé, hoje diríamos uma opção radical.  Esta opção deu sentido à sua vida, criou uma identidade pessoal, lhe proporcionou seu projeto evangélico, que nada mais era do que entregar sua vida ao serviço dos Pobres. “Sabemos que sua noite interior foi iluminada, que experimentou uma paz profunda a partir do momento que resolveu definitivamente consagrar toda sua vida ao serviço dos Pobres”[2]. Vicente havia se encontrado e havia descoberto a orientação fundamental de sua vida. Esta opção radical, a partir da fé, gerou o sentido de sua existência. Nela, experimentou o que dirá anos mais tarde “é necessário sair de si mesmo e doar-se”. Tudo isso tornou possível que pouco a pouco Vicente modificasse o seu próprio ser, os seus critérios de ação, sua maneira de contemplar as coisas e as pessoas, para vê-las como estão em Deus[3].

Ozanam também, apesar de apegar-se aos “dogmas sagrados”, não encontrava a paz. Foi o testemunho de um bom sacerdote, o contato pessoal com uma pessoa de fé, que fortaleceu novamente sua fé, que não é um compêndio de conhecimento, senão a adesão pessoal a Jesus, que recebemos através do exemplo de pessoas que o fizeram antes que nós. Portanto, é importante que nosso testemunho de vida seja de acordo com nossa fé.

Tanto Vicente como Ozanam saíram fortalecidos destas noites escuras; ambos decidiram então entregar sua vida ao Senhor, Vicente descobrindo o verdadeiro sentido de seu ministério sacerdotal: “levar o Evangelho ao pobre povo camponês”[4], e Ozanam dedicando seus dias “ao serviço da verdade que me proporcionava paz”.

Todas as pessoas de fé, em maior ou menor grau, passaram por episódios semelhantes. A fé é uma busca permanente. Optar por Deus nos obriga a tomar decisões vitais que, em muitas ocasiões, não são fáceis. Oxalá que o exemplo de nossos irmãos mais velhos nos guie nestes momentos de obscuridade, e nas preocupações descubramos Jesus nos dizendo, como a seus discípulos: “Coragem, sou eu, não tenhais medo”[5].

Sugestões para reflexão pessoal e conversa em grupo:

  1. «A dúvida é o motor da fé» (atribuída a santo Tomás de Aquino). Qual sua opinião sobre esta frase?
  2. Que lugar ocupa minhas crenças na minha vida? Como é que os outros percebem que sou cristão?
  3. Evangelizar é anunciar a boa nova de Jesus Cristo, por meio de palavras, ações e também, pelo testemunho de nossa própria vida. Como podemos melhorar a forma de evangelizar?

Notas:

[1]  O livro basicamente reúne os apontamentos taquigráficos de suas aulas em Sorbonne durante os anos de 1848 e 1849. Ozanam nunca as viu publicadas e somente teve a oportunidade de revisar as cinco primeiras aulas.

Esta obra dá início ao que Ozanam desenvolveu a partir do plano traçado desde sua juventude; descrever, ao longo de vários livros, o progresso da sociedade na civilização ocidental e a influência benéfica que exerceu nela o cristianismo. Sendo já um jovem de 18 anos começou a idealizá-lo; assim ele contava para seus amigos Fortoul e Huchard (seus colegas no Colégio Real de Lion):

“De minha parte, minha decisão está tomada, tracei o plano da minha vida e, na qualidade de amigos, devo torná-los partícipes dele. Como vocês, sinto que o passado está desabando, que os alicerces do antigo edifício foram abalados e que uma terrível sacudida mudou a face da terra. Mas, o que deverá sair do meio destas ruínas? A sociedade deverá permanecer sepultada sob os escombros dos tronos derrubados, ou reaparecerá mais brilhante, mais jovem e mais formosa? Veremos novos céus e nova terra? Essa é a questão importante. […] Creio poder assegurar que existe uma Providência, e que esta Providência de forma alguma foi capaz de abandonar criaturas racionais, naturalmente desejosas da verdade, do bem e da beleza, nas mãos do gênio perverso do mal e do erro e que, consequentemente, todas as crenças do gênero humano não podem ser extravagâncias, e que existiram verdades no mundo. Agora é uma questão de reconquistar essas verdades, livrando-as do erro que as envolve; e preciso buscar entre as ruínas do mundo antigo a pedra angular sobre a qual haverá de se reconstruir o novo” (carta para Hipólito Fortoul e Claude Huchard, de 15 de janeiro de 1831).

[2]   André Dodin, «Espiritualidade de São Vicente de Paulo», em Vicente de Paúl y la evangelización ru­ral, CEME, Salamanca 1977, 107.

[3]   José Manuel Sánchez Mallo, «Espiritualidade vicentina: Fé», em Diccionario de espiritualidad vicenciana, Salamanca: CEME; 1995, disponível em https://goo.gl/17efzb (último acesso: 20 de outubro de 2020).

[4]   Cf. J. Mª Román, San Vicente de Paúl, Biografía, Madrid: BAC, 1981, p. 118

[5]   Cf. Mc 6,45-52.

Javier F. Chento

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