Maria é alegria e é esperança; alegria inicial, esperança no fim, que, na verdade não o é. Bem-aventurada porque acreditou. Para sempre junto do filho, deixando-o seguir o caminho que era o seu, Maria nunca “sai de cena”: nem da vida de Jesus, nem da vida da Igreja, nem da nossa vida.
A presença de Maria na narrativa bíblica é uma presença relativamente discreta: de um ponto de vista objetivo, Maria aparece poucas vezes e tem, ao lado da “personagem principal” e de outras personagens de destaque, uma importância reduzida, de personagem secundária. Esta constatação é, certamente, também fruto da História e da cultura: uma História contada por homens e uma cultura que dava pouca relevância às mulheres, relegadas no quotidiano para o plano doméstico e confinadas aos relatos para-históricos. Apesar desta evidência, cujas razões e consequências não cabe aqui discutir, há uma outra que nos deve fazer parar um pouco: nesta presença como personagem bíblica, Maria é protagonista ou testemunha de momentos de alegria e de esperança.
O tom de interpretação literária do parágrafo anterior é tão-só uma estratégia retórica para a redação deste texto; sei, sabemos, que a Bíblia não é um livro de contos, um longo romance, não é a reportagem ou a crónica historiográfica. Jesus, Maria, os Discípulos, João Batista, Isabel, nenhuma das figuras bíblicas do Antigo ou Novo Testamento é personagem de uma história de ficção. Por isso, ler a Bíblia vai bem mais além do exercício literário de interpretação; ler a Bíblica convoca em nós o lado fundamental da meditação, da assimilação vital da Palavra. Quase, quase, como Maria que acompanhava o filho e que guardava as coisas no seu coração (cf. Lc. 2, 51).
Maria, mãe de Jesus, aparece nos Evangelhos, em particular no Evangelho de Lucas, envolta em duas palavras: alegria e felicidade. A narrativa de Lucas começa com uma sucessão de motivos de festa: anúncio da maternidade de Isabel, que tinha perdido a esperança de ser mãe, a promessa da chegada de João Batista, preparando a vinda de Jesus; Maria visitada pelo Anjo que a saúda com votos de alegria, a aceitação jubilosa de Maria em conceber o filho de Deus, Maria que se dirige apressada a casa de Isabel para celebrar com a amiga,… Nas histórias paralelas destas duas mulheres de há dois mil anos, como em tantas vezes na vida de mais mulheres até aos dias de hoje, a partilha de uma tal condição, a gravidez, leva-as a querer estar juntas, a viver cúmplices as ansiedades e a esperança desses meses de gestação. Maria quer estar junto de Isabel, como estará junto ao filho, como está (para) sempre junto a nós.
O primeiro encontro que temos com Maria funda a alegria inicial: é nela que a Boa Nova se faz Vida para nós. Voltamos a vê-la a envolver o filho em panos (Lc.7), a apresentá-lo no templo (Lc. 2, 22), pressentimos a sua preocupação por não saber onde está (Lc. 2, 44), imaginamos a vontade de ver Jesus e compreender que não pode chegar a ele nesse momento (Lc. 8, 19) e ouvimos na de Maria a voz da nossa própria mãe, intervindo entre nós e o mundo (Jo. 2).
Insisto, Maria é alegria e é esperança; alegria inicial, esperança no fim, que, na verdade não o é. Bem-aventurada porque acreditou. Para sempre junto do filho, deixando-o seguir o caminho que era o seu, Maria nunca “sai de cena”: nem da vida de Jesus, nem da vida da Igreja, nem da nossa vida.
Na homília de dia 1 de janeiro de 2015, solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, o Papa Francisco lembrou-nos que “Cristo e a sua Mãe são inseparáveis”. E, se Jesus é o centro da nossa eternidade, permitam-me o atrevimento de me apropriar do final do poema «O perfume precioso», de José Tolentino Mendonça: «Recordarei sempre [aquela Mãe]/ perfeito fio de prumo/ que indica o centro da vida.»
Inês Espada Vieira
Fonte: https://www.padresvicentinos.net/
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