Convidamos vocês a descobrirem Frederico Ozanam através de seus próprios escritos, cofundador da Sociedade de São Vicente de Paulo e um dos membros mais queridos da Família Vicentina (embora, ainda pouco conhecido).
Frederico Ozanam escreveu muito nos seus 40 anos de vida. Estes textos – que chegam até nós de um passado não muito distante – são reflexos da realidade familiar, social e eclesial vivida por seu autor que, em muitos aspectos, tem muita semelhança com a que vivemos atualmente, particularmente no que se refere à desigualdade e à injustiça que sofrem milhões de empobrecidos em nosso mundo.
Comentário:
Em meados de julho de 1844, Amélia parte para Dieppe, cidade costeira no Canal da Mancha, distante uns 200 km de Paris, buscando melhora para algumas enfermidades que sofria com os banhos de mar. Frederico fica em Paris trabalhando, embora faça uma breve visita nos dias 21 e 22 de julho. Em seu retorno, ele escreve quase que diariamente. Na carta do dia 27 de julho lhe informa dos trâmites que estavam sendo realizados para nomeá-lo professor de literatura em Sorbonne, sucedendo a Claude Fauriel (que faleceram no dia 15 de julho). De fato: a morte de Fauriel significava que se não conseguisse o cargo de catedrático, poderia inclusive ficar sem seu posto de professor substituto, às custas do que o substituto do Senhor Fauriel quisesse fazer. Evidentemente, a obtenção da cátedra universitária seria um grande alívio financeiro para o casal, garantindo a estabilidade futura[1]. Neste contexto é que escreve o parágrafo anterior.
Frederico pôs sua confiança em Deus em todos os aspectos de sua vida, inclusive diante da incerteza de um futuro obscuro. Sabe que Deus se preocupa com sua criação, e particularmente, com cada um de seus filhos, e que nos momentos de provação, nunca ficará desapontado com Deus, que é infinitamente compassivo.
Ozanam interiorizou e levou para sua vida os seguintes versículos bíblicos, que nos convidam a colocar nossa confiança no Deus da história, à exemplo de tantos outros que recorrem à Palavra de Deus:
“Se tiveres de atravessar a água, estarei contigo. E os rios não te submergirão; se caminhares pelo fogo, não te queimarás, e a chama não te consumirá”.
Isaías 43,2.“Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria nunca”.
Isaías 49,15.
Com expressões muito semelhantes, São Vicente de Paulo, numa de suas conferências às Filhas da Caridade, lhes anima a confiarem na Divina Providência:
Ter confiança na Providência quer dizer que devemos esperar de Deus que cuidará de todos quantos lhes sirvam, o mesmo que um esposo que cuida de sua esposa e um pai olha por seu filho. Assim é como que Deus cuida de nós, e muito mais. Não temos que fazer outra coisa além de confiarmos sob sua direção, tal como […] faz uma criança nas mãos de sua ama. Se ele coloca a criança em seu braço direito, tudo bem para ele; se o põe no esquerdo, fica contente; contanto que lhe dê de mamar, ficará satisfeito. Assim pois, também nós devemos ter a confiança na Divina Providência, já que ela se preocupa com tudo o que se refere à nós, do mesmo modo que o faz uma ama com a criança e um esposo com sua esposa; assim também temos que nos abandonar completamente à ela, assim como a criança aos cuidados de sua mãe e como a esposa confia que seu marido cuide de seus bens e de toda a casa. […] A razão que nos obriga a confiar em Deus é que sabemos que ele é bom, que nos ama com muito carinho, que deseja nossa perfeição e nossa salvação, que pensa em nossas almas e em nossos corpos, que quer nos conceder todos os bens necessários para um e outro.
SVP ES, IX-2, 1049.
O seguidor de Jesus Cristo sabe que toda sua existência está nas mãos de um Pai providente, que está atento à nossas necessidades e que escuta nossa oração:
“A confiança que depositamos nele é esta: em tudo quanto lhe pedirmos, se for conforme à sua vontade, ele nos atenderá”.
1João5,14.
Talvez nem sempre alcancemos aquilo que desejamos ou necessitamos, mas confiamos – inclusive nas situações mais adversas – em que tudo o que sucede faz parte de um plano divino que intuímos, mas desconhecemos. Jesus Cristo nos pede que confiemos neste Pai Amoroso, que não nos preocupemos com as coisas que prescrevem e que trabalhemos para construir o Reino de Deus na terra, sabendo que Deus irá cuidar de nós inclusive na adversidade, no sofrimento ou na enfermidade:
“Portanto, eis que vos digo: não vos preocupeis por vossa vida, pelo que comereis, nem por vosso corpo, pelo que vestireis. A vida não é mais do que o alimento e o corpo não é mais que as vestes? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas?”.
Mateus 6,25-26.
O Papa Francisco, comentando este texto de Mateus, refletiam assim:
Pensando em tantas pessoas que vivem em condições de precariedade, ou inclusive na miséria que ofende sua dignidade, estas palavras de Jesus poderiam parecer abstratas, ou ilusórias. Mas na realidade são mais do que nunca atuais! Nos recordam que não se pode servir a dois senhores: Deus e a riqueza. Enquanto cada um busque acumular para si, jamais haverá justiça. Ao contrário, confiando na Providência de Deus, buscamos juntos seu Reino, então a ninguém faltará o necessário para viver dignamente. […] Para fazer que a ninguém lhe falte o pão, a água, a roupa, a casa, o trabalho, a saúde, é necessário que todos nos reconheçamos filhos do Pai que está no céu e portanto irmãos entre nós e nos comportemos consequentemente.
Homilia do domingo, 2 de março de 2014.
Assim, se confiamos na Providência Divina, está em nossas mãos que esta providência alcance a todos, especialmente, aos mais necessitados. Anos depois, o papa voltou a insistir na mesma ideia expressa na Palavra de Deus e as de São Vicente:
O primeiro passo na oração cristã é, portanto, a entrega de nós mesmos à Deus, à sua Providência. É como dizer: “Senhor, tu sabes tudo, nem sequer faz falta que te conte minha dor, somente te peço que fiques aqui a meu lado: és Tu minha esperança”. É interessante notar que Jesus, no Sermão da Montanha, imediatamente depois de transmitir o texto do “Pai Nosso”, nos exorta a não nos preocuparmos e não desanimarmos pelas coisas. Parece uma contradição: primeiro no ensina a pedir o pão de cada dia e logo depois nos diz: “Não andeis preocupados com vossa vida, o que comereis, nem por vosso corpo, o que vestireis” (Mateus 6, 31). Mas a contradição é somente aparente: os pedidos dos cristãos expressam confiança no Pai. E é precisamente esta confiança que nos faz pedir o que necessitamos sem preocupação nem agitação.
Audiência geral de 27 de fevereiro de 2019.
Frederico Ozanam soube, em meio de incertezas, que pode contar com Deus misericordioso. Especialmente nos momentos de angústia, soube confiar-se ao Pai de todos, colocar sua vida nas mãos de Deus e aceitar sua vontade, por mais difícil ou incompreensível que lhes pareça. Experimentou com particular dureza quando, muito consciente de que lhe restava pouco tempo de vida, escreveu sua “Oração de Pisa”, onde roga a Deus que lhe conceda o tempo suficiente para educar sua filha. Mas, mesmo nestes tempos de intenso infortúnios, foi capaz de rezar dizendo:
É a mim que quereis. Está escrito no começo do livro que devo fazer vossa vontade. E eu disse: “Vou, Senhor”. Vou se me chamais e não tenho direito a me queixar.
Pisa, 23 de abril de 1853.
Também nós vivemos atualmente um tempo de intensos problemas sociais e pessoais. Muitos poderão ver refletida sua própria situação pessoal na situação de Ozanam. Que seu exemplo nos motive a caminhar pela vida com confiança, sabendo que Deus não irá faltar com suas promessas… embora não sejamos capazes de compreender seus desígnios.
Sugestões para reflexão pessoal e diálogo em grupo:
- Nas situações complexas, nos momentos de incerteza e dor, como é que é nossa oração pessoal ou comunitária?
- Que mensagem de esperança comunicamos para aqueles que passam por situações de angústia, àqueles que experimentam a enfermidade ou a morte muito próxima?
- De que maneira estamos participando ativamente para construir o Reino de Deus, confiando em sua Providência, como nos orienta o Papa Francisco?
Nota:
[1] Finalmente, ao final de novembro de 1844, Frederico Ozanam foi nomeado sucessor de Claude Fauriel e catedrático vitalício em Sorbonne.
Javier F. Chento
@javierchento
JavierChento
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