Convidamos vocês a descobrirem Frederico Ozanam através de seus próprios escritos, cofundador da Sociedade de São Vicente de Paulo e um dos membros mais queridos da Família Vicentina (embora, ainda pouco conhecido).
Frederico Ozanam escreveu muito nos seus 40 anos de vida. Estes textos – que chegam até nós de um passado não muito distante – são reflexos da realidade familiar, social e eclesial vivida por seu autor que, em muitos aspectos, tem muita semelhança com a que vivemos atualmente, particularmente no que se refere à desigualdade e à injustiça que sofrem milhões de empobrecidos em nosso mundo.
Comentário:
Amélia engravidou no final de abril de 1842, uns 10 meses depois de se casar com Frederico Ozanam. Infelizmente, sofreu um abroto espontâneo na noite de 29 para 30 de maio. Com sua saúde muito debilitada, o casal decidiu que o melhor para ela era mudar-se para Lion, para descansar na casa de seus pais e restabelecer a sua saúde. Amélia partiu de Paris, junto com sua mãe, em meados de julho. Esta é a primeira vez que o casal fica separado depois do casamento. O casal se ama com ternura e Frederico sente muita falta de sua esposa; tanto é que, durante este período de separação (até 11 de agosto, quando Frederico vai até Lion para uns poucos dias de férias) ele escreve quase que diariamente.
Pelo texto desta carta, não nos resta dúvidas de que Amélia estava por dentro do trabalho de seu marido com os Pobres que ele visitava em suas casas. É provável que ela o tenha acompanhado – embora é preciso lembrar que a Sociedade de São Vicente de Paulo era composta apenas por homens naquela época[2].
As ruas du Four e du Dragon não estão muito longe da Igreja de São Sulpício e do bairro latino[3], onde exerceram seu apostolado os primeiros membros da Sociedade de São Vicente de Paulo. Também não é longe da Rue de Sèvres, onde está situada a Igreja que conserva o corpo de São Vicente de Paulo desde abril de 1830. De fato, a Rue du Four é praticamente uma continuação da Rue de Sèvres.
Nesta área Frederico visita algumas famílias e comunica Amélia das enfermidades e problemas com o preço do aluguel e dos produtos básicos de alimentação, por conta da especulação de preços.
Diante da situação dos empobrecidos, Frederico reconhece que tem uma vida muito cômoda e tranquila; por isso pede para Amélia que parte do dinheiro destinado para seu presente de aniversário, seja gasto para aliviar estas famílias, cujos filhos “rezarão por você, por nós dois, para que esteja longe de nós o sofrimento deste ano e nos conceda o anjo que nossa casa espera”.
O casal era muito generoso com sua ajuda. Anos depois, Amélia escreve que ao menos a décima parte dos ganhos familiares eram dedicados para aliviar as necessidades dos Pobres: “A esmola não era para ele um dever, senão uma grande honra”[4].
Seu exemplo nos anima a fazer o mesmo: muitas pessoas, também hoje em dia, não poderiam viver sem ela. E nós nos sentimos honrados em poder servir os membros mais necessitados do Corpo de Cristo. No entanto, não podemos nos esquecer que o objetivo principal é trabalhar para a promoção do Pobre, de modo que aqueles que possam trabalhar tenham a possibilidade de fazê-lo e viver uma vida digna.
Vicente de Paulo também buscou a promoção integral da pessoa, para que ela pudesse cuidar de si mesma com seu próprio trabalho; no dia 26 de abril de 1651 escreve para Marcos Coglée, superior de Sedán, a respeito da distribuição de ajuda aos povos devastados pelas guerras:
Atender não mais do que aqueles que não possam trabalhar e nem prover seu sustento, e que correram o risco de morrer de fome se não fossem ajudados. De fato, assim que tiver forças para trabalhar, é preciso comprar-lhe alguns utensílios de acordo com sua profissão[5].
O direito ao trabalho e a conquista de bens necessários para planejar o futuro é reconhecido na Declaração dos Direitos Humanos. Também, desde suas origens, o direito a um trabalho digno aparece na moderna Doutrina Social da Igreja:
O direito a um trabalho digno ocupa um lugar importante na doutrina social da Igreja. Por isso, diante das altas taxas de desemprego, que afligem muitos países […], e das duras condições de vida de tantos trabalhadores da indústria e do campo, « é necessário apreciar o trabalho como elemento de realização e de dignidade da pessoa humana. É responsabilidade ética de uma sociedade organizada promover e apoiar uma cultura do trabalho[6].
Infelizmente, hoje em dia são muitos os que, mesmo sendo competentes, estão incapazes de encontrar um emprego que lhes permita viverem sua independência, ou porque estão parados, ou porque o trabalho que tem é tão precário que não resolve sua situação. Também aconteceu isto no tempo de Frederico Ozanam, como já vimos, entre os operários das fábricas.
Para eles, além da ajuda imediata, é preciso oferecer-lhes ferramentas que os capacitem e possibilite seu auto sustento. Enquanto isso, a esmola, o auxílio material, não é apenas necessário, mas imprescindível.
Sugestões para a reflexão pessoal e diálogo em grupo:
- É possível conquistar a igualdade entre homens e mulheres na vida social? E no mundo do trabalho? E na Igreja? Como conquistar?
- Como poderíamos envolver os membros de nossas famílias no trabalho que realizamos como seguidores de São Vicente? Ou seja, como convidar-lhes para fazer o mesmo?
Notas:
[1] Festa da Assunção de Maria. Em vários escritos familiares, genealogias e arquivos, aparece que Amélia Soulacroix nasceu no dia 15 de agosto de 1821, mas está incorreto. Graças às pesquisas de Magdeleine Houssay, tataraneta de Frederico Ozanam, hoje sabemos que a data de nascimento de Amélia tal como aparece na sua certidão de nascimento é 14 de agosto de 1820:
[2] A Sociedade de São Vicente de Paulo surge no ambiente universitário de Paris. A mulher era assim excluída da educação superior. No entanto, não podemos nos esquecer que foi uma Filha da Caridade (Ir. Rosalie Rendu) que incentivou as conferências para suas primeiras atividades de serviço ao Pobre. Também Amélia dedicou boa parte de sua vida ao trabalho de caridade, e sem dúvida, foi uma importante pessoa para a Sociedade: ela compilou e preservou cuidadosamente os documentos de seu falecido marido.
As mulheres não demorariam a incorporar-se no trabalho da Sociedade de São Vicente de Paul. Assim:
- Na Positio para a beatificação de Santiago Masarnau, fundador das Conferências na Espanha, afirma-se que “as conferências de mulheres iniciaram-se na Espanha em 1855, sendo sua primeira presidente Encarnación Villalba de Hore” (Anotações de Frederico Ozanam, publicado pela Vice-presidência Internacional de Formação da Confederação Internacional da Sociedade de São Vicente de Paulo, em 2017).
- No dia 10 de janeiro de 1856, Celestina Scarabelli fundou o ramo feminino da Sociedade de São Vicente de Paulo na Bolonha: “Os grupos se multiplicam rapidamente em Paris, nascem novas conferências nas províncias e quase que simultaneamente na Europa, na América… As mulheres, ausentes durante a criação das primeiras conferências, se unirão rapidamente a seus pais ou esposos para ajudar-lhes durante algumas visitas domiciliares. Na Bolonha, em janeiro de 1856, nasceu o ramo feminino da Sociedade de São Vicente de Paulo, observando a mesma Regra. Os costumes da época estão longe de serem mistas. Foi preciso mais de um século para que os dois ramos se mesclassem (20 de outubro de 1967)!” (Marie-Françoise Salesiani Payet, Apresentação da Sociedade de São Vicente de Paulo, na Assembleia Regional de Piamonte, Turim, 27 de março de 2011).
[3] Na Idade Média, o bairro latino era habitado por um grande número de estudantes que usavam o latim como língua acadêmica; daí a origem de seu nome.
[4] Cf. Chevalier-Montariol (ed), “Notes biographiques sur Frédéric Ozanam“, em I. Chareire (ed), Frédéric Ozanam, Actes du colloque de Lyon des 4 et 5 décembre 1998, Paris, 2001.
[5] SVP ES IV, 180.
[6] São João Paulo II, Ecclesia in America, 54.
Javier F. Chento
@javierchento
JavierChento
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