“Bem-aventurados os que choram”: Espiritualidade Vicentina e as Bem-Aventuranças

por | maio 17, 2023 | Formação | 0 Comentários

“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” nos introduz à realidade daqueles que sofrem, e dos que choram, mas daqueles que choram pelo Reino. Para alguns, o pranto é expressão de fraqueza. Para outros, é sinal de dor, temor e medo. Para outros, também, é expressão de tristeza e sofrimento. O pranto pode ser causado, também, pela emoção, conforme o motivo e o momento. O pranto é uma expressão do espírito, daquilo que se carrega no coração e na vida. Como diz o salmista: “Minhas lágrimas se converteram em alimento dia e noite, enquanto me repetem, sem cessar: Teu Deus, onde está?” (SI 44,1). Ele chora porque, buscando o seu Deus, sabe que sem Ele não pode viver. Deus é o único que pode satisfazer preencher o coração do ser humano.

O que significa chorar pelo Reino? Chorar pelo Reino é sinal de que se descobriu Deus presente na vida, em cada acontecimento, mesmo nos momentos difíceis. Chorar pelo Reino é não ter medo do sacrifício que a conversão exige, porque o Senhor nos mostrou um caminho com dificuldades, um caminho de cruz. Aceitar a cruz é aceitar o caminho de Cristo. Seguir Jesus supõe estar na cruz com Ele. Os primeiros cristãos se comportaram assim, deram testemunho de sua fé com sua própria vida. Os primeiros séculos da Igreja foram cheios de mártires e de testemunhas da fé. Aquele que faz a escolha por Jesus e pelo seu Reino pode experimentar dor e sofrimento. Mas, o que é ainda mais terrível e doloroso, é quando queremos colocar Deus em nossos esquemas e não o conseguimos. É necessário chorar muito para entrar nos esquemas de Deus. Não é fácil descobrir e aceitar a vontade de Deus. Resistimos à vontade de Deus, sobretudo quando esta é difícil e dolorosa. Preferimos seguir o caminho que nós nos traçamos, à nossa maneira, mas a Palavra de Deus chega e desfaz todos os nossos planos, pois é necessário chorar muito para aceitar e continuar o caminho.

A experiência de Deus que os Santos fizeram obrigou-os a chorar, a resignar-se diante dos desígnios de Deus e a viver errantes neste mundo. Esta experiência de Deus obrigou-os a viver um despojamento contínuo, uma separação dos seus projetos pessoais. Viver uma contínua renúncia sempre provoca dor e sofrimento. Felizes os que choram por causa de seus males, mas que depois suspiram o bem que só Deus pode lhes dar.

Esta Bem-aventurança nos ajuda, também, a contemplar “as lágrimas de Deus”, num grito de dor. Quando Jesus viu a multidão, sentiu compaixão deles porque estavam “cansados e abatidos como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 36). Abraçar essa Bem-Aventurança é ajudar a experimentar o Evangelho, é consolar os que sofrem e choram, particularmente os mais pobres.

Quem são os Bem-aventurados? Bem-aventurados são aqueles que choram, aqueles que assumem seus erros e trabalham para superá-los, saindo de si mesmos. São aqueles que não buscam a culpa por seus sofrimentos e penas. São aqueles que não permanecem inativos, abatidos, mas que se levantam de suas quedas, esforçando-se para superar seus males e viver com esperança.

Com São Vicente, poderíamos criar a seguinte Bem-aventurança: Bem-aventurados os que sofrem. Buscando crescer espiritualmente, eles alcançarão a perfeição na caridade! Os que choram pelo Reino são aqueles que se esforçam para descobrir e conseguir o Reino. Eles se mortificam sem cair num masoquismo vazio pelo Reino dos Céus. Descobrir o Reino não é algo fácil, porém, não está fora do nosso alcance, evidentemente que, exige sacrifício, constância e empenho.

São Vicente de Paulo, embora tenha vivido numa época onde a mortificação era primordial para conseguir uma vida santa, não faz da mortificação um valor em si mesmo. Para ele, a mortificação é um meio e não um fim na hierarquia espiritual dos valores; ele é realista e conhecedor da vida espiritual, por experiência. Ele sabe que os pobres vivem em constante mortificação, que é a condição de vida habitual dos mais vulneráveis. Já que permanecem na miséria com a incerteza do dia de amanhã. Portanto, as pessoas que têm o futuro seguro também devem buscar viver a mortificação e chorar pelo Reino. Fazemos parte deste grupo. Os pobres não precisam viver prioritariamente a mortificação, esta já é o seu pão cotidiano! Chorar pelo Reino é participar das privações, das angústias e sofrimentos dos pobres. Aproximar-se dos pobres é partilhar com eles de seus sofrimentos, de suas precariedades e de sua realidade sofrida.

Chorar pelo Reino é vencer, embora isto exija muito sacrifício, nossas preguiças na oração, na missão e na vida comunitária. É dominar nossa língua e rancores. Em 9 de dezembro de 1657, São Vicente diz: “É mister, bem o vedes, ou fazermos penitência, ou arrastarmo-nos sempre com as mesmas imperfeições, sem nunca nos assemelharmo-nos, em nada, a Nosso Senhor. ” (Coste X p. 716). São Vicente nos exorta a levar uma vida plena, uma vida que tenha sentido, assumindo em nós, a própria vida de Nosso Senhor. Finalmente, chorar pelo Reino é buscar por meio do sacrifício, o que o nosso Santo chamaria de “perfeição da Caridade”.

Pe. Alexandre Nahass, CM

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