Ucrânia: uma missão de paz e de caridade

por | dez 27, 2022 | Crise na Ucrânia, Notícias, Sociedade de São Vicente de Paulo | 0 Comentários

“Afaste-se do mal e faça o bem. Procura a paz e persegue-a” (Salmo 34, 14)

Enquanto a humanidade se divide entre a omissão e a indiferença, ou busca entretenimento nos jogos de futebol, um país sofre os horrores da guerra: a Ucrânia. O fracasso da diplomacia e das instituições democráticas mostra que esse conflito ainda pode durar muito tempo. Os governantes são incapazes de propor uma trégua e, por meio do diálogo, terminar essa guerra sem sentido. A mídia, parece, já se acostumou com a desgraça alheia e não aborda mais o assunto como no início da invasão. As poucas iniciativas pela busca de paz são um risco n’água.  E os efeitos nefastos dessa guerra, como a inflação, a crise energética e o aumento da pobreza, atingem a todas as nações.

Nesse ínterim, o povo ucraniano está a sofrer, como nunca. Antes, havia uma nação pujante, produtora de alimentos, com forte turismo e um povo orgulhoso da sua história, tradição e possibilidades para o futuro. Hoje, só tristeza e dificuldade. Apesar de tudo, mesmo com o país devastado, a população se mantém unida e esperançosa (Salmo 29, 11). Milhões migraram para os países vizinhos, mas a maioria permaneceu na Ucrânia. Os homens foram convocados para a batalha, e as mulheres estão na retaguarda, zelando pelas famílias e pelos poucos bens que ainda lhes restaram.

Diante deste cenário desolador, ainda há gente fraterna, lutando pela própria subsistência e pela sobrevivência de outras pessoas. É a caridade que brilha no meio do caos: é Jesus que se apresenta como verdadeiro consolo e proteção. Na Ucrânia, a Sociedade de São Vicente de Paulo conta com algumas Conferências que, apesar das imensas dificuldades existentes, insistem em levar a mão amiga vicentina a quem precisa. Além da SSVP, a Família Vicentina se faz presente, e assim, juntos, tentamos oferecer alguma esperança aos mais necessitados (João 16, 33), enquanto os políticos tardam em encontrar uma solução para esse conflito vergonhoso.

O Conselho Geral Internacional, em nome de toda a Confederação da Sociedade de São Vicente de Paulo, assinou um “Memorando de Entendimento” com a Depaul International para oferecer, diariamente, 200 refeições aos ucranianos pobres da cidade de Kharkiv. Nossas Conferências, quase sem recursos, também fazem o que podem, distribuindo alimentos, roupas, remédios e outros bens materiais. Quanto mais o inverno se intensifica, mais os problemas se amplificam, pois a geração de energia elétrica, para aquecer as habitações, só existe em poucas horas do dia. Os mais prejudicados são os idosos, os deficientes e as crianças.

Nos dias 7 e 8 de dezembro, em solo neutro (Hungria), o Conselho Geral Internacional recebeu uma delegação de quatro consócias da SSVP ucraniana. O confrade Adrian Abel (Inglaterra), presidente da Comissão Internacional de Ajuda e Desenvolvimento (CIAD), acompanhou-me nesta jornada. A ideia original era que eu pudesse ir à Ucrânia, mas, por questões de segurança, optou-se por essa solução, que trouxe muitos desafios para as quatro vicentinas. Como o espaço aéreo está bloqueado por conta da guerra, não há voos na Ucrânia; assim, a delegação deslocou-se de trem e de carro para se encontrar conosco.

Para preservar as nossas vicentinas de qualquer situação, manteremos o anonimato de todas elas. A viagem delas não foi fácil. Por exemplo, uma das quatro participantes conseguiu chegar ao ponto de encontro, na Hungria, 32 horas após sair de casa, muito cansada. Não temos como agradecer pelo imenso gesto de caridade dessas bravas consócias.

Depois de terem esperado cerca de quatro horas para cruzar a fronteira com a Hungria, encontramo-nos num hotel (vamos manter a localização confidencial) onde nossas reuniões aconteceram. Vários testemunhos de vida, de fé e de superação me deixaram sem palavras. Um episódio emocionou-me bastante: uma consócia confidenciou a alegria de poder tomar um banho “quente e digno”, pois há muito ela não tinha isso na Ucrânia. Outra consócia relatou sobre as “coisas simples da vida”, como ir a uma cafeteria, acessar a internet ou passear num shopping, fatos bastante raros hoje em dia na Ucrânia. Os momentos que disfrutamos juntos na Hungria foram instantes, para elas, de “rápido regresso à vida normal”, pelo menos enquanto durou nosso encontro. Congraçamo-nos durante as refeições e rezamos como uma família.

Nestas reuniões de trabalho, pudemos conhecer as ações em marcha pela SSVP da Ucrânia em várias localidades, que apesar dos bombardeios constantes, vêm aliviando o sofrimento dos mais carenciados. Depois de ouvir todo esse relato, presenteamos as Conferências ucranianas com um quadro contendo a relíquia do bem-aventurado António-Frederico Ozanam. Com forte emoção, eu disse que “Ozanam vai acabar com esta guerra, e este será mais um milagre dele”. O quadro com a relíquia deverá peregrinar pelo país. Também entregamos livros e material de formação produzidos pelo Conselho Geral.

Um das consócias, a mais jovem de todas, é fotógrafa profissional, e mostrou-nos imagens dos horrores da guerra, especialmente prédios atingidos por mísseis, veículos destruídos pelos tiros e cidades inteiras destroçadas. Ela mesma correu risco de perder a vida ao fazer esses registros fotográficos. Outra consócia está com o marido servindo às Forças Armadas ucranianas, e vive uma tensão constante sem saber se o esposo regressará à casa. Outras delas estão desempregadas e também sofrem fortes restrições. O empobrecimento do país é total, e muitos vicentinos também estão em situação de penúria. É urgente alcançarmos a paz: precisamos de construtores da paz (Mateus 5, 9).

Durante esses dias, pude perceber que a liberdade é um dos valores mais importantes para a humanidade, senão o maior deles. Sem a liberdade, a vida é incompleta. Imaginem a vida sem liberdade religiosa, sem liberdade política, sem liberdade de expressão, sem liberdade de pensamento. No caso do povo da Ucrânia, imaginem a vida sem liberdade para ir e vir, sem liberdade para usufruir dos direitos mais básicos do ser humano, como direito à vida, à propriedade, à educação, à saúde, ao trabalho e às oportunidades no futuro. Um consócia assim se expressou: “Vamos vencer essas adversidades. Nada e ninguém pode nos impedir”.

Estas e outras histórias ficarão na minha memória. Como Presidente-geral, manifestei a solidariedade de SSVP mundial ao povo ucraniano. Rogamos urgentemente que essa guerra sem propósito termine imediatamente. Exortamos aos presidentes Putin e Zelensky que se sentem numa mesa de negociação para estabelecer pela paz, tão necessária, tão urgente, não só para o povo da Ucrânia e sobretudo para toda a humanidade (Tiago 3, 18).

Por fim, gostaria de pedir que as Conferências Vicentinas rezem o Santo Rosário pela Ucrânia, pedindo a Deus que esse conflito termine urgentemente, que as autoridades políticas sejam tocadas pelo manto de Nossa Senhora e que todos os envolvidos busquem uma solução para essa guerra. Que Nossa Senhora Rainha da Paz nos proteja!

Confrade Renato Lima de Oliveira
16º Presidente-geral Internacional
Sociedade de São Vicente de Paulo
Fonte: https://www.ssvpglobal.org/

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