No início deste mês faleceram, com a diferença de dois dias, duas grandes mulheres que estiveram toda a sua vida ao serviço de um povo: uma delas quase dispensa apresentações, a outra merecia ser mais falada.
Elizabeth Alexandra Mary Windsor, mais conhecida como rainha Isabel II, nasceu a 21 de abril de 1926, em Mayfair, Londres, Reino Unido, no seio da Família Real britânica.
Tal como todos os membros da família real que a antecederam, Isabel II também estava bem ciente que o seu dever era servir. “Declaro perante vós que toda a minha vida, quer seja curta ou longa, será dedicada ao vosso serviço e ao serviço da nossa enorme família imperial, à qual todos pertencemos”, disse Elizabeth ao seu povo durante um discurso feito na rádio no dia em que completou 21 anos, em abril de 1947.
Em fevereiro de 1952, Elizabeth, então com 25 anos, tornou-se rainha do Reino Unido e dos Reinos da Comunidade de Nações, tendo completado 70 anos de reinado em fevereiro deste ano, tornando-se a rainha com o maior reinado da história.
Ao longo de seu reinado, empossou 15 primeiros-ministros britânicos, viveu o período de maior tensão na Irlanda do Norte, viu o mundo pós-guerra, a Guerra Fria, a Guerra das Malvinas, e lidou com as invasões do Iraque e do Afeganistão. Nos últimos anos, lidou com o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) e com a pandemia de Covid-19.
Faleceu no dia 8 de setembro 2022, com 96 anos, com uma morte tranquila, no Castelo de Balmoral, Escócia, Reino Unido.
O seu funeral realizou-se na Abadia de Westminster, que tem capacidade para cerca de 2,2 mil pessoas e foi sepultada em 19 de setembro de 2022, Capela de São Jorge, Castelo de Windsor, Reino Unido. O seu funeral foi acompanhado por milhões de pessoas em todo o mundo.
Maria de Coppi, mais conhecida como Irmã Maria de Coppi, nasceu a 22 de novembro de 1939, em Santa Lucia di Piave, Vittorio Veneto, Itália.
Entrou para a família das Missionárias Combonianas, tendo feito os votos religiosos em 1960, em Verona, Itália.
Em 1963 partiu em missão para Moçambique, onde viveu 59 anos, dedicando toda a sua vida à missão em Moçambique, tendo inclusive nacionalidade moçambicana.
Passou pelas missões de Anchilo, Meconta, Alua e Chipene, na província de Nampula (dioceses de Nampula e Nacala) e pela missão de Balama, na província de Cabo Delgado (Diocese de Pemba).
Uma das frases célebres da irmã Maria de Coppi é: “procuro estar perto das pessoas, sobretudo ouvindo o que me dizem. Apesar da pobreza material, ouvir os outros continua a ser um grande dom”.
Passou pela guerra colonial e pela guerra civil em Moçambique e mais recentemente pelos ataques terroristas levados a cabo por grupos de insurgentes no Norte de Moçambique. A irmã Maria de Coppi denunciou a guerra, a exploração, o terrorismo e o sofrimento do povo moçambicano, e esteve na linha de frente para ajudar as famílias da região norte atingida pela fome e pela violência.
Faleceu no dia 06 de setembro de 2022, com 83 anos, na Missão Católica de Chipene, província de Nampula, Moçambique, tendo sido assassinada com um tiro à queima-roupa, quando a missão estava a ser atacada pelos insurgentes, pelas 21h00 locais, prolongando-se até às 02h00 da madrugada. No ataque destruíram e incendiaram a igreja, a casa das irmãs, o hospital e as máquinas da missão.
O seu funeral realizou-se na Missão de Carapira, grande marca da presença da família comboniana em Moçambique, com pouco mais de uma centena de pessoas, onde, conforme a sua vontade, foi sepultada a 09 de setembro de 2022, entre súplicas de Paz para o Norte de Moçambique. O Papa Francisco recordou e rezou pela irmã Maria de Coppi no domingo seguinte, dia 11 de setembro.
Eu sei que estou a comparar o incomparável, mas a sensação que tem quem acompanha a situação no Norte de Moçambique é que, nem a morte de uma pessoa estrangeira, que dedicou toda a sua vida a servir o povo moçambicano tem o destaque suficiente e que esta morte acaba por ser ainda mais “abafada” pela morte da mediática Rainha Isabel II.
Não é demais recordar que, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), existem cerca de 800 mil pessoas como deslocados internos devido ao conflito e que cerca de 4.000 pessoas já perderam a vida. Entre elas há, com certeza, muitas grandes mulheres (e homens) que nem sequer tiveram direito a notícia e a um funeral digno.
Não é demais recordar que os ataques em Cabo Delgado, e agora também em Nampula, continuam a acontecer, que mulheres e homens continuam a morrer todos os dias, vítimas destes ataques, sem direito a notícia e funeral digno, porque isso não dá audiências como o funeral da rainha de Inglaterra.
Sara Poças
Fonte: https://www.padresvicentinos.net/
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