A cada ano, na quinta-feira que se segue ao Domingo da Santíssima Trindade, a Igreja nos convida a celebrar a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, comumente chamada Corpus Christi. Suas origens remontam ao século XIII e sua finalidade consistem em colocar em evidência o lugar central da Eucaristia na vida e na missão da Igreja como memorial do mistério pascal do Senhor e sacramento de sua presença constante e operosa na comunidade daqueles que o seguem. Há um vínculo profundo entre a celebração vespertina da Quinta-feira Santa, quando recordamos a instituição da Eucaristia na ceia derradeira, e a Solenidade de Corpus Christi.
A razão é óbvia: trata-se de um mesmo e único sacramento, aquele que o Senhor Jesus quis deixar aos seus, recomendando-lhes que se reunissem para fazer memória de sua vida doada por amor, repartindo o pão e o vinho consagrados como sinais de sua entrega salvífica, cuja eficácia ultrapassa o tempo, abraça toda a criação e nos alcança no presente da história “até que ele venha” (1Cor 11,26; cf. Mt 26,26-29). Neste gesto confiado por Cristo a sua Igreja, os discípulos de ontem e de hoje encontram o alento e o vigor de que precisam para doar a própria vida, dia após dia, movidos pelo mesmo amor que levou o Mestre a entregar a sua.
Ao instituir essa Solenidade, o Papa Urbano IV solicitou a Santo Tomás de Aquino que compusesse hinos litúrgicos para celebrá-la com a devida reverência. Foi assim que Santo Tomás dotou a celebração de Corpus Christi de 5 estupendas peças teológicas e poéticas que nos elevam à contemplação do mistério eucarístico e nos impulsionam a vivê-lo com maior proveito. Tornaram-se conhecidos os hinos Lauda Sion, que aparece como Sequencia antes do evangelho proclamado na Solenidade; Tantum ergo Sacramentum (que, na realidade, corresponde às estrofes conclusivas de um hino mais extenso, o Pange, lingua), que entoamos pouco antes da bênção do Santíssimo Sacramento; e o Adoro te devote, que nos proporciona uma imagem de rara beleza para traduzir o significado da Eucaristia, a do Pio Pelicano. Com efeito, há uma lenda milenar segundo a qual, ao ver seus filhotes famintos, o pelicano abre seu peito e os alimenta com sua carne e sangue. Aplicada a Cristo, tal figura se tornou evocação do sacramento eucarístico, por meio do qual o Senhor nos nutre com sua própria vida, dando-se a si mesmo no pão e no vinho.
São Vicente de Paulo era um homem verdadeiramente eucarístico, fascinado pelo mistério que celebrava diariamente e que o impulsionava a fazer de sua existência um pão repartido, uma doação constante e sem reservas aos irmãos, especialmente os mais desamparados de seu tempo. Certa vez, São Vicente se referiu à Eucaristia como “o amor inventivo ao infinito”, traduzindo assim a superabundância do amor de Cristo que, depois de passar pelo mundo fazendo o bem e de entregar-se na cruz, quis ainda permanecer conosco no sacramento, de tal modo que nos conformemos sempre mais a ele, porque “é próprio do amor gerar a semelhança”. E arrematou: “Como o amor pode e quer tudo, ele assim o quis” (SV XI, 145).
À luz da espiritualidade vicentina, somos convocados a celebrar e a viver a Eucaristia de modo mais profundo, intenso e transformador. Como lembra o Documento de Aparecida, a Eucaristia é lugar privilegiado de nosso encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo vivo (n. 251). Só quem o descobre e contempla nas páginas do Evangelho, tal como ele é em sua humanidade, e só quem o celebra e adora no sacramento que ele nos deixou para introduzir-nos em seu mistério e revestir-nos de seu espírito, pode encontrá-lo e abraçá-lo nos irmãos mais pobres, com os quais o Senhor se identifica e a partir dos quais nos interpela a uma vivência mais coerente e consequente da Eucaristia como escola e impulso da caridade missionária.
A Família Vicentina tem uma maravilhosa tradição eucarística, que enlaça muitos de nossos modelos de santidade. Um deles é um jovem membro da Sociedade de São Vicente de Paulo, o Bem-aventurado Pedro Jorge Frassati, que descobriu na Missa diária, prolongada na adoração eucarística, a fonte de sua vida espiritual, a força de sua dedicação aos mais necessitados e a inspiração de sua caridade política. Ele o afirmou com toda clareza: “Cada dia, Jesus vem a mim na Santa Comunhão. E eu lhe retribuo a visita servindo aos pobres”.
É certo que a Eucaristia – como sacramento da caridade e impulso da missão – não suporta o sedentarismo, a acomodação, a inércia. “Se não nos levantamos da mesa, como fez Jesus na última ceia – dirá Dom Tonino Bello – a Eucaristia fica incompleta”. Mas é certo também que, no horizonte da fé cristã e do carisma vicentino, a caridade e 09a missão precisam partir da Mesa – daquela Mesa que o Senhor nos prepara e ao redor da qual ele nos robustece com seu amor, revela-nos o segredo de seu coração e nos comunica sua vida nova – dando-nos o que devemos dar, impelindo-nos a “tornar efetivo o Evangelho”, com obras e palavras (SV XII, 84), a partir do encontro eucarístico. Só assim, a caridade não estacionará na filantropia, a missão não degenerará em demagogia, o serviço não se desgastará na agitação e o compromisso não se perderá na busca de si mesmo.
Celebremos e vivamos a Eucaristia como Vicentinos!”
Vinícius Teixeira, CM
Fonte: https://ssvpbrasil.org.br/
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