Nunca se falou tanto em alterações climáticas, sustentabilidade e responsabilidade social como nos dias que correm. Nunca vi tantos artigos em jornais e publicações em redes sociais de empresas, particulares, ativistas, ambientalistas ou simplesmente de simpatizantes, sobre o assunto. De facto, uma mente menos informada poderia entender que tal se deve ao mediatismo que se gerou em torno destes temas, pelo facto de ser bem visto (rentável), aos olhos da sociedade (consumidor), discutir (publicitar) o assunto. Aliás, atualmente o tema é tão importante (popular), e crítico (mediático), que as grandes empresas portuguesas estão obrigadas, por via das leis que assim o decretam, a reportar informação de sustentabilidade com regularidade, não só para os seus acionistas, mas para todos os seus stakeholders, para que sejam claras as políticas adotadas pelas empresas para minimizar o seu impacto ambiental, social e económico.
Em boa verdade, ainda bem que estes temas estão na ordem do dia, pois são demasiado evidentes as consequências das nossas ações irresponsáveis que se repetiram, e continuam a repetir, ao longo da história. E não precisamos de refletir com muita profundidade para encontrar ações e comportamentos que destroem a nossa casa comum: o individualismo (preocupação apenas com o nosso bem-estar), o estilo de vida consumista (preocupação por querer sempre mais) aliado à cultura do descarte (preocupação por seguir as tendências). Mas (perguntará alguém menos atento), o que têm estes comportamentos a ver com o tema da sustentabilidade e da responsabilidade social? Tudo! Porque, como diz o Papa Francisco, “está tudo interligado”. Para melhor compreender esta relação, vejamos um exemplo: o que há de comum entre a roupa que compro e o consumo de água? A indústria têxtil é a que mais consome água a nível mundial, logo a seguir à agricultura. Para podermos usar uma t-shirt de algodão nova, foram consumidos 2700 litros de água na sua produção. Agora multipliquemos esses 2700 litros pelos milhões de t-shirts que são produzidas anualmente. São muitos litros de água para satisfazer o nosso estilo de vida consumista, que na grande maioria dos casos, vai acabar no lixo. A Agência Portuguesa do Ambiente estimou que, entre 2011 e 2017, 1 milhão de toneladas de roupa dos portugueses acabou em aterro. Ou seja, muitos milhões de litros de água foram desperdiçados.
Poderia dar mais exemplos sobre a forma como o nosso estilo de vida consumista contribui para o desperdício de água, mas penso que está clara a forma como todas as nossas ações têm consequências negativas. E com isto não pretendo difamar a indústria da moda, mas colocar em perspetiva o nosso comportamento e levar-nos a refletir sobre as nossas escolhas, para que as mesmas sejam mais conscientes e responsáveis, porque todos temos a responsabilidade de cuidar da casa comum, porque a todos foi dado esse dom de forma gratuita. Aliás, atrevo-me a dizer que todos têm essa responsabilidade, mas um cristão tem uma responsabilidade acrescida, na medida em que Deus criou o mundo, e «assim como Ele trabalhou na criação, deu-nos o trabalho, a obra de levar em frente a criação. Não de a destruir, mas de a fazer crescer, cuidando-a, preservando-a e levando-a em frente» (Papa Francisco). É isto que nos pede Deus, que saibamos cuidar da casa comum.
No livro do Génesis, na narrativa da criação, é-nos dito que ao sexto dia Deus cria todas as criaturas que vivem em terra firme, incluindo o homem, criado à imagem e semelhança de Deus. Uma leitura desatenta desta passagem bíblica poderia levar-nos a crer que o homem é um ser superior a todas as criaturas da terra e que, por isso, teria ao seu dispor tudo quanto foi criado por Deus: a terra, o céu, o mar, a natureza. Não deixando de ser verdade, é preciso compreender que “ter ao dispor” não significa usar sem limites, sem responsabilidade. É isso mesmo que o Papa Francisco nos diz: «Deus deu-nos o dom da terra, da criação: tudo é teu, mas para a levar em frente, para a cuidar, não para a destruir!». Infelizmente, temos destruído mais do que protegido e é por isso que, quase num ato de desespero, o Papa Francisco nos dirige as suas palavras através da carta encíclica Laudato si’, na qual nos chama a atenção para o grito da terra, que é o grito dos pobres, fazendo-nos refletir sobre a forma como as nossas ações impactam o mundo em que vivemos. A questão que se impõe é: estarei eu, estará cada um de nós, disposto a mudar para um novo estilo de vida mais harmonioso com os fundamentos da criação?
Inspiremo-nos na Laudato si’ para mudar os nossos comportamentos e assim protegermos a criação que Deus nos confiou para as futuras gerações.
Mafalda Guia
Fonte: https://www.padresvicentinos.net/
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