Por Mizael Donizetti Poggioli – CM

Estou muito feliz em ter a oportunidade de participar desse momento especial para toda a Família Vicentina na celebração que agora fazemos em comum dos 400 Anos do nascimento do Carisma Vicentino.

Oxalá, todos esses eventos dos quais estamos participando nestes três dias possam agregar a cada um de nós um grande entusiasmo na vivência do Carisma e da Espiritualidade legados por Vicente de Paulo.

O tema sobre o qual refletiremos nesse momento é sobre a Educação, tendo como variável a Comunicação para a Mobilização. Um assunto de suma importância para o atual momento em que vivemos dentro da Família Vicentina.

  1. Educação – Formação humana

Podemos começar dizendo que a educação objetiva ajudar outras pessoas a começar a viver. A educação se expressa, no processo da vida, por meio do desenvolvimento, do aperfeiçoamento e da conscientização.

Quanto a isso, não há dúvida de que Vicente de Paulo foi um grande educador. Juntamente com Luísa de Marillac criou as “Pequenas Escolas”. Em todos os aspectos procurou capacitar as pessoas, tanto os seus colaboradores quanto os Pobres.

Vicente de Paulo entendia que a formação/educação deveria ser holística, uma formação que pudesse abranger todas as dimensões da pessoa humana. Formação entendida como capacitação para o trabalho; formação como evangelização; formação como dignificação da pessoa; formação como promoção do ser humano e formação para a liberdade e para a libertação dos Pobres.

  1. Reivindicação

Grande parte de nossos países de origem vivem numa Sociedade de Direitos. Numa dada Sociedade onde os Diretos do Cidadão estão garantidos na Constituição e, muitas vezes, não são respeitados. Para mudar essa realidade, a melhor forma para transformá-la é a conscientização das pessoas, por meio da educação/formação, para que possam reivindicar os seus direitos garantidos.

O ato de reivindicar por direitos é um dever cívico de todos os indivíduos que convivem em sociedade. As reivindicações deste cunho têm o propósito de trazer melhorias para a qualidade em todas as dimensões da vida de uma determinada classe ou grupo social. Em outras palavras, pode-se dizer que a reivindicação é a ação de exigir aquilo que se tem por direito ou que se acredita em ter.

Vicente de Paulo utilizou muito dessa ferramenta. Um exemplo expressivo é quando, como Capelão das Galés, reivindicou junto às autoridades, agilidade na revisão dos processos dos encarcerados, construção de hospitais, melhorias na insalubridade das celas, na alimentação, enfim, numa melhor condição de vida para essas pessoas.

  1. Mobilização

Hoje, no mundo em que vivemos, ninguém ou poucas pessoas isoladamente podem fazer grandes coisas para mudar as situações em que vivemos num mundo repleto de injustiça institucionalizada. Tem-se a necessidade de união de muitas pessoas, parcerias com outras entidades afins, sistematização de estratégias pontuais e seguras para poder realizar um trabalho social com sustentabilidade.

As reinvindicações só terão efeito levando-se em conta as múltiplas variáveis de mudança social. Para que as reivindicações alcancem o objetivo proposto, é preciso mobilizar as pessoas.

Mobilizar significa reunir pessoas com consciência e clareza a respeito de um dado problema com o objetivo de superá-lo. Mas, não é só reunir as pessoas. Exige ao mesmo tempo a criação de uma visão comum, onde as pessoas, pouco a pouco, vão formulando estratégias para resolução de um dado problema.

A decisão de mobilizar as pessoas para realizar uma luta reivindicatória é muito séria. É preciso a conscientização das pessoas a respeito de seus direitos e a revelação de pessoas com capacidade de liderança.

Há dois postulados importantes quando de se trata de uma mobilização:

  1. Antes de começar um movimento reivindicatório é preciso examinar em profundidade as forças com que se contam para conseguir um resultado favorável. A força é uma coisa que se pode conseguir. Se hoje não se tem força para iniciar um movimento reivindicatório, quem sabe amanhã se pode adquiri-la e iniciar um trabalho nesse sentido.
  2. O exame das forças com que se conta para fazer uma reivindicação não deve ficar entregue a uma só pessoa – por mais inteligente e preparada que ela seja, nem a um pequeno grupo.

Em certas épocas da história isso não foi feito. Talvez, em algum lugar do planeta, isso ainda hoje não é possível fazer. No entanto, a organização das pessoas é a melhor ferramenta popular para a mudança das estruturas injustas presentes na sociedade. É o conhecido conceito de mobilização reivindicatória.

  1. Mobilização na esfera institucional

As parcerias entre entidades que trabalham para a erradicação da pobreza e diretamente em favor dos Pobres, são uma necessidade inquestionável e premente. É a ideia de que precisamos agir juntos. Em nosso caso, os Ramos da Família Vicentina precisam trabalhar juntos

Lembrando que a expressão Família Vicentina se refere ao conjunto de congregações, organismos, movimentos, associações, grupos e pessoas que, de forma direta ou indireta, prolongam no tempo o Carisma Vicentino, sejam eles fundados diretamente por São Vicente de Paulo, ou encontrem nele a fonte de sua inspiração e dedicação ao serviço dos Pobres.

A Família Vicentina deve ser ao mesmo tempo um movimento religioso e um movimento social.

a) Movimento religioso – Um dos biógrafos de Vicente de Paulo disse que ele “transformou o rosto da Igreja na França, no século XVII”. De fato, todos nós conhecemos o trabalho que ele realizou com o objetivo de proporcionar formação às lideranças de sua época. Citamos apenas uma das mais expressivas: a fundação de seminários para a preparação do clero, a realização das Conferências das Terças-feiras para o clero já ordenado, participação no Conselho de Consciência (uma espécie de Ministério da Religião) do reino de França.

b) Movimento social – A Família Vicentina, a exemplo de Vicente de Paulo, deve ser também um Movimento Social. Quando Vicente de Paulo com Luísa de Marillac organizaram as “Pequenas escolas” com o objetivo de dar capacitação para o trabalho e para a vida dos Pobres, estavam objetivando uma transformação social.

Ainda podemos enumerar dezenas de ações voltadas para a transformação social: as obras de acolhimento para idosos e crianças, acolhimento de meninas e meninos vulneráveis à exploração sexual, a organização no âmbito da saúde (Hospitais para os galeotes, formação de Enfermeiras, cuidado com os doentes…).

Hoje, a Família Vicentina é uma grande força. Porém, ao meu ver, é um gigante adormecido. Embora o foco de nosso trabalho como Vicentinos e Vicentinas no mundo de hoje, fica cada vez claro, ainda não fomos capazes de aderir a esse movimento com clareza e com determinação.

Os Ramos da Família Vicentina, como sabemos, não possuem um objetivo em si mesmos. Não pertencemos a um Ramo da Família Vicentina porque ele possui um objetivo que se encerra em si próprio.

Todos os Ramos possuem uma única finalidade que é trabalhar com e pelos Pobres. Os Pobres são o foco. Os Pobres são a razão intrínseca de nossa existência. Vivemos, nos movemos e somos pelos Pobres, em razão deles.

Aqui, podemos lembrar do direcionamento proposto e despertado nos últimos anos no seio da Família Vicentina: a necessidade de colaboração. Colaboração nos diferentes níveis do nosso apostolado.

  1. Colaboração na formação – Temos, espalhados pelo mundo afora, pessoas altamente capacitadas para sistematizar uma formação interativa e profundamente vicentina. Na Espiritualidade Vicentina encontramos elementos de sobra para a vivência do Evangelho. Vicente de Paulo sistematizou uma espiritualidade de acordo com as ações, atitudes e práxis do próprio Cristo. É preciso compreender que a espiritualidade vicentina é uma espiritualidade que emerge do contato com os Pobres. É uma espiritualidade da ação, é uma espiritualidade do engajamento, é uma espiritualidade do serviço efetivo para com os Pobres.
  2. Colaboração na criação e na realização de projetos – Uma das maneiras mais eficazes para ajudar os Pobres a saírem da pobreza é trabalhar em forma de Projetos. É altamente perigoso começar um trabalho sem ter claro um Projeto e sem saber de um resultado final esperado.

É claro que o resultado final não é tão importante quanto o processo. É no processo de desenvolvimento de um projeto que se cria comunidade, que se constrói uma visão comum, que fortalece a consciência da necessidade de lutar pela dignidade humana, pela igualdade de direitos entre as pessoas e, sobretudo, é onde se cria uma nova visão de mundo e de humanidade.

Malgrado as difíceis situações de sua época devido as necessidades urgente dos Pobres, Vicente de Paulo tinha em mente onde queria chegar. Não só isso, muitas vezes se aconselhava com outras pessoas para colocar em prova as atividades que queria realizar.

Em outras palavras, sempre procurava identificar as necessidades; definia os objetivos; estudava viabilidade; buscava alternativas; selecionava as necessidades, analisava as restrições e riscos do que se ia fazer; mobilizava recursos humanos e materiais para a realização do Projeto. Por exemplo – o acolhimento das crianças abandonadas; formulava estratégias do cuidado para com elas; mobilizava pessoas para serem colaboradoras; buscava recursos para a sustentabilidade da obra. Esse esquema programático estava presente na maioria de suas obras.

  1. Mobilização na esfera do trabalho efetivo

Na esfera do trabalho efetivo para e com os Pobres é preciso fazer também uma mobilização junto dos Pobres. Os Pobres são os sujeitos de sua própria libertação. Eles são os protagonistas de sua própria história. Os Pobres, no dizer de Vicente de Paulo, são “Mestres e Senhores”. Quem sabe, muitos deles não possuem formação acadêmica, universitária ou uma educação formal, mas possuem uma grande sabedoria.

Nosso papel é ajudá-los a despertar a consciência para que sejam agentes transformadores da realidade. Ajudá-los a romper com o mito de que a pobreza é inevitável. Compartilhar com eles ferramentas que temos com aquelas que eles possuem para criar condições favoráveis de desenvolvimento social e humano.

No trabalho para e com os Pobres, temos uma grande ferramenta que é a metodologia de Mudança Sistêmica. É preciso abraçar esse caminho. É ele que nos ajudará a realizar um trabalho realmente efetivo para e com os Pobres.

É preciso conhecer essa metodologia; aprofundar seus fundamentos; debruçar de corpo e alma sobre ela. Assim teremos maiores possibilidades em ajudar os Pobres.

Por exemplo, na celebração dos 400 Anos do Carisma Vicentino, somos chamados a construir casas para os sem-teto e acolhimento aos estrangeiros. Que esses desafiantes projetos com os migrantes e sem-teto sejam realizados dentro dessa metodologia. Mais do que nunca, como Vicente de Paulo acreditava, devemos crer que a mudança na vida dos Pobres é possível.


Documento PDF: Educação e Comunicação para a mobilização.


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