Os Pequenos Irmãos da Congregação de São João Batista: missão, história e espiritualidade no contexto chinês

por | dez 3, 2024 | Formação, Ramos da Família Vicentina | 0 Comentários

A história dos “Pequenos Irmãos da Congregação de São João Batista” está intrinsecamente ligada à vida e ao trabalho do Padre Vincent Lebbe, um missionário belga que dedicou sua vida à China e à promoção de uma Igreja local autenticamente chinesa. Fundada em 1928, essa congregação é um testemunho vivo do espírito vicentino, onde o serviço aos pobres e a evangelização estão no centro de sua missão.

Perfil biográfico do Padre Vincent Lebbe

Frédéric-Vincent Lebbe, mais conhecido como Padre Vincent Lebbe, nasceu em 19 de agosto de 1877 em Ghent, Bélgica, em uma família católica devota. Seu pai era flamenco, um tabelião público, enquanto sua mãe era de descendência meio francesa e meio inglesa. Desde jovem, Lebbe sentiu uma forte inclinação para as missões, o que o levou a se inspirar no mártir Jean-Gabriel Perboyre, um missionário da Congregação da Missão martirizado na China em 1840. Em 1895, ele entrou para a Congregação da Missão, fundada por São Vicente de Paulo no século XVII para a evangelização dos pobres e a formação do clero, o que marcou o início de sua formação espiritual e missionária.

O jovem Pe. Lebbe, com a cruz missionária vicentina.

Lebbe foi ordenado padre em 1901, em Pequim, e logo foi designado para a região de Tianjin. Em seu trabalho inicial, ele trabalhou na reconstrução da Igreja Xiaohan, que havia sido danificada durante a Revolta dos Boxers. Desde o início, ele demonstrou um profundo respeito pela cultura chinesa. Aprendeu a falar mandarim fluentemente, a ler e escrever em chinês e a mergulhar nos costumes locais. Ele até adotou roupas chinesas e se integrou totalmente à vida cotidiana de seus novos companheiros de fé.

Em 1915, Lebbe fundou o jornal Yishibao (益世報) em Tianjin, com o objetivo de conectar o catolicismo à vida intelectual e social da China. Esse jornal se tornaria um dos mais influentes durante a era republicana. Por esse meio, Lebbe promoveu o cristianismo, o patriotismo e uma ética baseada na justiça social. Ele queria que a Igreja na China não apenas evangelizasse, mas também fosse liderada pelo próprio povo chinês.

Esse ideal o colocou em conflito com os missionários europeus e as políticas coloniais da época, que mantinham a Igreja chinesa sob liderança estrangeira. Lebbe defendeu ativamente o slogan: “Devolva a China aos chineses e os chineses se voltarão para Cristo”. Essa posição causou tensões com alguns de seus superiores na Congregação da Missão, que viam suas ideias como uma ameaça ao controle tradicional das missões.

Uma das mais importantes controvérsias em que ele se envolveu foi o Caso Laoxikai, em Tianjin, em 1916. O conflito surgiu quando o cônsul francês, com o apoio da Igreja, tentou expandir a concessão francesa às custas das terras chinesas. Lebbe e seu jornal criticaram essas ações, o que levou à sua transferência para a diocese de Ningbo em 1920 e seu posterior retorno à Europa. No entanto, sua defesa de uma Igreja chinesa autônoma influenciou a carta apostólica Maximum Illud, do Papa Bento XV, de 1919, que pedia a indigenização da Igreja e a eliminação dos excessos coloniais.

Durante sua estada na Europa, Lebbe não abandonou seu compromisso com a China. Ele ajudou estudantes chineses e fundou a Sociedade de Auxiliares Missionários e os Auxiliares Missionários Leigos. Ele também defendeu junto ao Vaticano a nomeação de bispos chineses, o que finalmente conseguiu em 1926 com a consagração dos primeiros seis bispos chineses na Basílica de São Pedro, um evento histórico que ele testemunhou.

Padre Lebbe em 1936.

Em 1927, após anos de debates dentro da Congregação da Missão, ele decidiu deixá-la para se dedicar totalmente à fundação de novas comunidades religiosas na China. Isso lhe permitiu agir com mais liberdade na promoção de uma Igreja chinesa autônoma. Em 1928, ele recebeu a cidadania chinesa, simbolizando sua profunda integração e compromisso com o país. Pouco depois, fundou os “Irmãozinhos de São João Batista” e as “Irmãzinhas de Santa Teresinha do Menino Jesus”, duas ordens religiosas chinesas focadas em viver uma espiritualidade próxima ao povo e enraizada na cultura local.

Lebbe também se destacou por seu apoio ao povo chinês em tempos de conflito. Durante a invasão japonesa e a guerra na China, ele organizou equipes de resgate católicas para cuidar dos feridos e refugiados do campo de batalha. Sua coragem e liderança nesses esforços humanitários foram amplamente reconhecidas.

Em 1940, em meio à guerra civil entre as forças do Kuomintang e o Exército Vermelho, Lebbe foi capturado pelos comunistas em Shanxi. Ele foi submetido a torturas pelo regime comunista e, embora tenha sido libertado após mais de 40 dias de cativeiro, estava gravemente debilitado. Ele morreu em 24 de junho de 1940 em Chungking, na China.

O legado de Vincent Lebbe foi decisivo para a inculturação da Igreja Católica na China. Sua luta por uma Igreja local livre de influências coloniais e sua defesa dos direitos do povo chinês fizeram dele uma figura influente tanto na Igreja quanto na sociedade. Sua causa de beatificação foi aberta em 1988 pelos Pequenos Irmãos de São João Batista em Taichung, Taiwan. Sua influência continua viva por meio das congregações que fundou e dos valores que promoveu.

Em reconhecimento ao seu serviço, o governo chinês o homenageou como um mártir da revolução, e ele ainda é lembrado como um símbolo de dedicação e compromisso com a justiça e a dignidade humana.

O carisma vicentino e o Padre Lebbe

O Padre Vincent Lebbe é um exemplo claro de como o carisma vicentino, centrado no serviço aos pobres, pode se adaptar e florescer em diversos contextos culturais. Seu período na Congregação da Missão foi crucial para sua formação como missionário e para seu desenvolvimento como líder espiritual. Como São Vicente de Paulo, Lebbe entendeu que a evangelização deve ser acompanhada de obras concretas de caridade e justiça.

Lebbe permaneceu fiel aos princípios vicentinos durante toda a sua vida. Em vez de simplesmente impor sua fé, ele procurou se integrar à vida do povo chinês, aprendendo seu idioma, seus costumes e sua cultura. Essa abordagem o diferenciava de muitos de seus contemporâneos, que viam os chineses como meros receptores do Evangelho, com pouca consideração pela capacidade deles de liderar sua própria Igreja.

O espírito vicentino também se manifestou na insistência de Lebbe de que os missionários deveriam viver de forma simples e próxima aos pobres. Em vez de estabelecer estruturas missionárias grandiosas ou distantes, Lebbe incentivou os “Irmãozinhos” a viverem entre as pessoas, compartilhando seus sofrimentos e trabalhando para seu bem-estar.

Fundação e desenvolvimento dos “Pequenos Irmãos de São João Batista”

O Padre Vincent Lebbe fundou a Congregação dos “Pequenos Irmãos de São João Batista” em 1928, com a visão de criar uma comunidade religiosa que viveria imersa na realidade do povo chinês, servindo aos mais pobres e promovendo uma Igreja local. Inspirados pela vida de São João Batista, os membros da congregação se dedicam a preparar o caminho para Cristo nos corações dos pobres, assim como fez o Precursor.

O objetivo da congregação era duplo: por um lado, levar o Evangelho aos cantos mais esquecidos da China e, por outro lado, servir aos pobres em suas necessidades materiais, espirituais e sociais. Essa missão estava enraizada na espiritualidade vicentina de ver Cristo nos pobres e servi-los como Ele mesmo seria servido.

Os “Pequenos Irmãos” deveriam incorporar a humildade e o serviço de São João Batista, levando uma vida de pobreza e dedicação ao próximo. Assim como seu fundador, eles buscavam promover uma Igreja que fosse liderada pelos próprios chineses e refletisse a cultura local. Para eles, a evangelização não se tratava apenas de pregar o Evangelho, mas também de ser parte ativa da vida das comunidades chinesas, compartilhando seu sofrimento e lutando para melhorar suas condições de vida.

Desde sua fundação em 1928, os “Pequenos Irmãos de São João Batista” trabalharam em várias regiões da China, especialmente em áreas rurais e pobres. A congregação cresceu lentamente, mas com um forte compromisso com sua missão. Durante os anos de guerra e perseguições políticas, especialmente durante a invasão japonesa e a Revolução Comunista, muitos “Little Brothers” (como eram chamados em inglês) foram detidos, presos e, em alguns casos, mortos. Apesar dessas dificuldades, a congregação sobreviveu, permanecendo fiel ao seu carisma de serviço e proximidade com os pobres.

Hoje, os “Pequenos Irmãos de São João Batista” ainda estão ativos, embora em menor número, e seu legado vive em muitas das obras de caridade e evangelização que continuam a ser inspiradas pelo exemplo de Vincent Lebbe. Atualmente, a Congregação está ativa em Taiwan, Vietnã, Estados Unidos, Itália, Filipinas, Canadá e China.

Espiritualidade dos “Pequenos Irmãos de São João Batista”

A espiritualidade dos “Pequenos Irmãos de São João Batista” baseia-se em três pilares fundamentais: humildade, serviço e identificação com os pobres. Esses valores estão profundamente enraizados na vida de São João Batista, cujo exemplo de humildade e sacrifício é fundamental para a vida da congregação.

Como São Vicente de Paulo, os Pequenos Irmãos veem Cristo nos pobres e acreditam que sua missão é servi-los de forma concreta e direta. A pobreza não é algo que eles queiram evitar, mas um lugar onde encontram Deus. A vida comunitária e o serviço aos outros são essenciais para sua espiritualidade, que está imbuída do carisma vicentino.

O Padre Vincent Lebbe instilou em seus seguidores a necessidade de viver perto dos pobres, não como benfeitores distantes, mas como irmãos que compartilham suas tristezas e alegrias. Para os “Irmãozinhos”, o trabalho missionário não é apenas uma atividade externa, mas um modo de vida que transforma tanto aqueles que servem quanto aqueles que são servidos.

O emblema dos Pequenos Irmãos da Congregação de São João Batista foi desenhado pessoalmente por seu fundador, Pe. Vincent Lebbe. Ele traz o lema em latim Violenti Rapiunt Illud (“Os violentos o levam”), inspirado pela profunda admiração do Pe. Lebbe pelo Santo Padroeiro da Congregação, São João Batista, e inspirado por um versículo do Evangelho de Mateus: “Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus tem sofrido violência, e os violentos o levam” (Mateus 11, 12). A forma do escudo no emblema simboliza a estabilidade da fé, enquanto as abelhas representam a diligência altruísta, refletindo a vida de São João Batista, que sobreviveu no deserto comendo gafanhotos e mel. Assim, as abelhas e o mel no escudo transmitem um forte espírito de trabalho árduo. Na época do fundador, a cruz verde no desenho simbolizava a Congregação incipiente, com a promessa de crescimento sem fim, assim como a vida vegetal cresce na terra. O fundo branco com bordas amarelas é inspirado na bandeira papal, simbolizando a lealdade inabalável da Congregação ao Papa.

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A história dos “Pequenos Irmãos de São João Batista” e a vida do Padre Vicente Lebbe são um testemunho vibrante do poder transformador do carisma vicentino em contextos missionários. Durante seu tempo na Congregação da Missão, Lebbe aprendeu a ver Cristo nos pobres e a servi-los de todo o coração, um ensinamento que ele levou à sua expressão máxima em seu trabalho na China.

Os “Irmãozinhos”, com sua dedicação aos mais necessitados e seu compromisso com uma Igreja verdadeiramente chinesa, continuam sendo uma manifestação viva dos ideais de São Vicente de Paulo. Por meio de sua vida simples, humildade e serviço altruísta, eles incorporam o espírito do Evangelho e continuam a missão que Vicente Lebbe iniciou há mais de um século.

 

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