Deus não fez os pobres • Uma reflexão semanal com Ozanam

por | nov 2, 2024 | Formação, Reflexões | 0 Comentários

Deus não fez os pobres. […] É a liberdade humana que cria os pobres. […] Impostos avassaladores foram criados sobre sal, carne, tudo o que é necessário para sobreviver. […] Quando se tratava de esmagar as últimas brasas da insurreição, não havia necessidade de atrasos e procedimentos para enviar vinte equipes para as avenidas de Paris, até as próprias portas do Hôtel de Ville [a prefeitura de Paris]; e aqui estamos nós: enquanto apenas no XII distrito há 4.000 crianças sem abrigo, continuamos disputando, em meio a adiamentos, discussões e debates, lutando para superar não sei que escrúpulos de comitês, conselhos, administrações, etc., apavorados que O Estado é arruinado e subvertido se a educação dos jovens trabalhadores é confiada a professores capazes de ensinar mais do que soletrar as sílabas dos jornais e rabiscar a “ordem de trabalho diária” nas paredes dos quartéis, com uma peça de carvão.

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Frederico Ozanam, em “As causas da miséria”, artigo publicado em l’Ere Nouvelle em outubro de 1848.

Reflexão:

  1. O parágrafo começa com uma frase categórica: Deus não fez os pobres. Não há nuances. Frederico está convencido de que o nosso Deus não quer que as pessoas sofram com a pobreza, a desigualdade e a injustiça.
  2. A segunda frase não é menos contundente: é a liberdade humana que cria os pobres. Somos os homens que, impulsionados pela nossa ganância e desejo por poder e riqueza, esmagaram boa parte da humanidade sob o jugo da fome, pobreza e morte.
  3. Ozanam denuncia a rapidez com que os poderosos agem ao menor protesto do povo e, ao contrário, a atenção àqueles que vivem na pobreza é atrasada no tempo sob o peso da burocracia e escrúpulos, para finalmente não fazer nada. Estremece os dados das 4.000 crianças desabrigadas do XII distrito de Paris, onde viveram, em meados do século XIX, cerca de 80 mil pessoas.
  4. Em outro lugar no mesmo artigo, Ozanam também denuncia os altos impostos sobre os produtos de consumo mais básicos (“sal, carne, tudo necessário para sobreviver …”) enquanto outros produtos, como bebidas alcoólicas (“que geram mais criminosos que todas as injustiças dos homens combinados”) foram tratados com muita frouxidão pelas autoridades.
  5. Frederico está profundamente preocupado com os direitos dos trabalhadores – em geral, dos necessitados e daqueles que sofrem situações injustas – e de suas condições de vida. Assim, entendemos sua afirmação de que aqueles que detêm o poder estão ameaçados por uma possível melhora no treinamento e nas condições dos trabalhadores, em muitos casos pessoas sem a educação mais básica, mal conseguindo ler o jornal com esforço.

Questões para o diálogo:

  1. Estamos tão convencidos quanto Ozanam que nosso Deus detesta a pobreza gerada pelo egoísmo dos homens?
  2. Frederico agiu contra a pobreza (na Sociedade de São Vicente de Paulo) e também denunciou a injustiça. A ação combinada com a reclamação. Nós, vicentinos do século XXI, sabemos, além de trabalhar por uma mudança estrutural e sistêmica, denunciar em fóruns públicos as situações de injustiça que nos cercam?
  3. Poucos meses depois de Ozanam escrever o artigo anterior em l’Ere Nouvelle, um contemporâneo de Ozanam, que era o cardeal John Henry Newman, escreveu: “O dinheiro é o ídolo do nosso tempo. A ele instintivamente presta homenagem à multidão, a massa de homens. Eles medem a felicidade de acordo com a fortuna e, de acordo com a boa sorte, eles medem a honestidade […] Tudo isso se deve à convicção […] de que com riqueza você pode tudo. A riqueza, portanto, é um dos ídolos de nossos dias, e a notoriedade é outro […]. A notoriedade, o fato de ser reconhecido e fazer barulho no mundo (o que poderia ser chamado de fama da imprensa), passou a ser considerado como um bem em si, um bem soberano, um objeto de verdadeira veneração” (John Henry Newman, Discursos Endereçados às Congregações Mistas, Discurso 5, publicado em 1849). Que pensamentos nos provoca este texto? Em que sentido está relacionado ao texto anterior de Ozanam? Ainda é válido hoje?
  4. O que podemos fazer para não só melhorar a situação dos pobres, mas também denunciá-la à sociedade e provocar uma mudança nas estruturas?

Javier F. Chento
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