Peço a todos muita atenção na seguinte frase: “Dar somente aquilo que te sobra nunca foi partilhar, e sim dar esmola”. Esse texto está na música “Corazón Partío”, que notabilizou o cantor espanhol Alejandro Sanz por todo o mundo, e aqui no Brasil também. É incrível como, numa música romântica e secular (isto é, não religiosa) podemos encontrar mensagens de cunho cristão, e neste caso, um recado eminentemente vicentino.
Partilhar é distribuir, repartir, compartilhar. Jesus, no milagre da multiplicação dos pães e dos peixes (Mt 14, 13-21) partilhou a comida entre todos. Quando doamos aos Pobres roupas e utensílios velhos, alguns até quebrados, não estamos partilhando nada, e sim nos desfazendo daquilo que nos sobra, que não têm mais importância para nós. Há uma enorme diferença entre esmola, partilha e doação. Nós, vicentinos, temos muito a ensinar sobre esses conceitos, especialmente junto aos benfeitores e doadores.
Porém, esse trabalho de conscientização deve ser feito de maneira educada, polida, pois pode ser mal interpretado. Como dizer a quem vai doar que tal doação é inócua? Exemplo: não se deve doar roupas íntimas, meias, etc, pois não podem ser utilizadas por outras pessoas. Mas, geralmente, as Conferências vicentinas ganham bastante esse tipo de roupa. O que fazer? Como educar a quem está fazendo, com o coração verdadeiro, uma caridade?
E juntamente com a doação de bens materiais, deve vir junto o ato de compartilhar os aspectos espirituais. Anunciar a boa nova de Jesus aos Pobres é a nossa missão. Os efeitos deste anúncio são variados, mas o principal deles é dizer – ou fazer – algo que de fato muda a vida das pessoas assistidas para melhor.
O Documento de Aparecida nos alerta: “Também encontramos Cristo, de um modo especial, nos Pobres, aflitos e enfermos (Mateus 25, 37-40), que exigem nosso compromisso e nos dão testemunho de fé, paciência no sofrimento e constante luta para continuar vivendo. Quantas vezes os Pobres e os que sofrem realmente nos evangelizam! No reconhecimento desta presença e proximidade e na defesa dos direitos dos excluídos, encontra-se a fidelidade da Igreja a Jesus Cristo”.
E lendo mais um pouco: “O encontro com Jesus Cristo através dos Pobres é uma dimensão constitutiva de nossa fé em Jesus Cristo. Da contemplação do rosto sofredor de Cristo neles e do encontro com Ele nos aflitos e marginalizados, cuja imensa dignidade Ele mesmo nos revela, surge nossa opção por eles. A mesma união a Jesus Cristo é a que nos faz amigos dos Pobres e solidários com seu destino” (Documento de Aparecida nº 257).
Portanto, ser vicentino não é apenas partilhar bens materiais, mas, sobretudo, ser um evangelizador nato e poder atuar na dimensão espiritual. Trabalhar na obra evangelizadora é participar da obra da salvação da humanidade, que não é uma obra humana, mas divina. Ser vicentino é, em primeiro lugar, um dom de Deus. Por isso, somos tão abençoados!
“Fazemos muito pouco”, como dizia São Francisco de Assis. Precisamos saber fazer muito com pouco! Todos nós somos convidados a atuar na defesa dos mais humildes e na obra da evangelização. “Evangelização rima com doação”, ensina o Cardeal Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro. Portanto, a generosidade de nossas doações evangelizam; testemunho de nossos gestos de caridade também evangelizam; e a Palavra que deixamos nas casas das famílias assistidas também evangelizam. Mas só podemos partilhar esses dons se estivermos em perfeita unidade com Cristo, se não reduziremos o trabalho vicentino a mero ativismo social.
Uma pergunta para debate na Conferência: o que é mais fácil partilhar, bens materiais ou espirituais?
Renato Lima de Oliveira
16º Presidente Geral da Sociedade de São Vicente de Paulo
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