Visita à Família Vicentina da Etiópia: a minoridade religiosa como caminho de discipulado no carisma de São Vicente de Paulo

por | out 6, 2025 | Notícias | 0 Comentários

A minha visita à Família Vicentina da Etiópia foi uma experiência profundamente enriquecedora, tanto no plano humano e cultural como no espiritual. Ali, no coração deste país de raízes cristãs e vicentinas seculares, encontrei uma Família Vicentina viva, alegre, acolhedora e profundamente enraizada no Evangelho. O que mais me comoveu foi descobrir como os diferentes ramos da Família Vicentina — dez ao todo — procuram caminhar juntos, num espírito de colaboração, proximidade e testemunho comum, enfrentando as dimensões mais desafiantes da pobreza, como o tráfico de pessoas para exploração laboral, a exploração sexual e o tráfico de órgãos.

Ao chegar à Etiópia, é impossível não notar o contraste impressionante entre o esplendor visível de certas zonas da capital e a precariedade silenciosa em que vive a maioria do povo. O governo, profundamente focado no embelezamento da cidade e na construção de palácios presidenciais, investe generosamente em grandes avenidas, edifícios monumentais e uma iluminação pública que deslumbra nas áreas turísticas. No entanto, à margem dessa imagem de modernidade e poder, muitos continuam privados de serviços básicos, como o acesso universal à eletricidade ou à água potável. Este contraste, tão doloroso quanto evidente, interpela a consciência cristã: para quem é o progresso e o desenvolvimento, se não alcançam a dignidade de todos, especialmente dos mais pobres?

No meio deste contexto desafiante, a minha visita à Família Vicentina da Etiópia deu-me sinais reais de esperança evangélica, pois os ramos presentes, apesar de muitos desafios, procuram construir um caminho comum, baseado na colaboração, na proximidade e no testemunho partilhado: os Irmãos da Caridade, as Filhas da Caridade, a Juventude Mariana Vicentina (JMV), a Associação Internacional de Caridades (AIC), a Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP), a Associação da Medalha Milagrosa, a Congregação da Missão (CM), as Irmãs de Santa Joana Antida Thouret, as Religiosas Filhas de Santa Ana e as Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo. Todos estes ramos procuram caminhar unidos, em sinodalidade vicentina, discernindo juntos os passos a seguir como expressão concreta da sua fé e missão, com o olhar e o coração voltados para os arautos que abriram os caminhos do carisma nestas terras.

Membros do Conselho Nacional e de alguns ramos da FAMVIN da Etiópia – Paróquia da CM.

Durante esta visita fraterna, partilhámos momentos de formação, um encontro com as lideranças de cada ramo, visitas a diversos serviços destinados aos pobres, bem como celebrações comunitárias cheias de vida, música, oração e espírito fraterno. Tudo se desenvolveu num clima de hospitalidade generosa, abertura, alegria e profunda acolhida da mensagem comum que nos une como família espiritual.

Um aspeto que me marcou especialmente foi a arte religiosa etíope. As imagens, tão características e profundamente simbólicas, mostram figuras com olhos grandes e abertos, enquanto a boca é pequena e permanece fechada. Este estilo reflete de forma bela uma característica da cultura etíope: a sua capacidade de observação, de escuta atenta, de perceção profunda e de discrição. É uma espiritualidade que “vê tudo” e, ao mesmo tempo, “guarda no coração”, como se diz do coração contemplativo de Maria no Evangelho. Esta sensibilidade cultural harmoniza-se maravilhosamente com o espírito do carisma vicentino, com o olhar sempre aberto e voltado para aqueles que semearam aqui as dimensões mais belas do nosso legado: São Justino de Jacobis e o Beato Ghebre Michael, dois companheiros sempre a caminho, que semearam a herança espiritual, missionária, profética e martirial do carisma.

Beato Ghebre Michael, São Vicente e São Justino de Jacobis. Pintura na capela da Casa Provincial da CM

Talvez um dos aspetos mais centrais que percebi na vivência da fé católica na Etiópia seja o que poderíamos chamar a minoridade religiosa como caminho de discipulado. Esta expressão traduz uma forma de ser Igreja na humildade, no serviço, na simplicidade, na pequenez… Não a partir do poder nem do protagonismo, mas a partir do seguimento humilde de Cristo servidor, pobre entre os pobres. Esta minoridade encarna-se aqui em chave vicentina: uma espiritualidade missionária, próxima do povo, encarnada, concreta, compassiva e em comunhão com a Igreja Católica, cujo cardeal é membro da Congregação da Missão, Berhaneyesus Demerew Souraphiel, CM.

A partir do carisma de São Vicente de Paulo, este modo de ser discípulos hoje, em lugares onde não somos maioria, chama-nos a ser “sinais” visíveis do Reino: sinais de esperança, de fraternidade, de solidariedade, de Deus presente entre os pobres. O valor de ser sinal é essencial hoje: o nosso testemunho deve falar mais alto do que as nossas palavras e manifestar-se em gestos simples, quotidianos e coerentes.

Aqui adquire força especial um valor central do Evangelho: o valor do pequeno e dos meios pobres. Perante a tentação do espetacular, do grandioso ou do artificial, a experiência vicentina etíope aposta na centralidade dos pobres, no poder silencioso do que é escondido, simples e humilde. Este é um dos maiores contributos que a África pode oferecer ao resto do mundo vicentino: um modo de ser Igreja mais próximo do coração de Jesus.

Arte religiosa etíope na capela das Filhas da Caridade: Olhos grandes, boca pequena.

Um sinal concreto de maturidade neste caminho foi a constituição do Conselho Nacional da Família Vicentina da Etiópia, que se mostrou disposto e aberto a integrar-se numa possível organização continental da FamVin em África e Madagáscar. Esta iniciativa, nascida precisamente durante esta visita, abre novos caminhos de comunhão, organização e colaboração entre os ramos vicentinos presentes em mais de vinte países deste continente tão fecundo, vibrante e cheio de vida. A África oferece-nos uma espiritualidade profundamente enraizada em Deus, na terra, na comunidade e na história partilhada.

Agradeço de coração à FamVin da Etiópia, e em particular aos responsáveis de cada ramo, por terem organizado com tanto cuidado a agenda da visita, pelo seu testemunho generoso e pela acolhida fraterna. Levo comigo os frutos desta experiência vivida com alegria e fé, em comunhão com o espírito da II Convocação de Roma 2024, que nos encoraja a continuar a aprofundar a nossa identidade comum e a nossa missão partilhada. Obrigado por tornarem o Evangelho visível no quotidiano, no pequeno, no pobre. Obrigado por serem sinal do Reino.

Pe. Memo Campuzano, CM

 

Visita ao Projeto ALEMACHEN da CM, que ajuda crianças excluídas devido a deficiências físicas graves, especialmente nos pés e nas pernas. Aqui muitas vidas foram e continuam a ser transformadas.

 

Encontro de formação para líderes da FAMVIN na Casa Provincial das Filhas da Caridade.

 

Irmãs de Santa Joana Antida em Adis Abeba.

 

Atenção a idosos em pobreza extrema, obra dos Irmãos da Caridade em Adis Abeba.

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