Carta da Quaresma 2023 do P. Tomaž Mavrič, CM, à Família Vicentina

por | fev 13, 2023 | Formação, Reflexões | 0 Comentários

Roma, 13 de fevereiro de 2023

“Fazer das nossas famílias e das nossas comunidades uma antecipação do Céu”.

Prezados membros do Movimento da Família Vicentina,

A graça e a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo estejam sempre conosco!

Desde a criação do mundo, Deus não queria que o homem vivesse em um ambiente hermético, onde não tivesse vínculo com outra pessoa, uma ilha em um oceano onde não houvesse possibilidade de movimento, onde a única pessoa que ele encontraria em todo o mundo seria ele mesmo e ninguém mais. Pelo contrário, desde a criação do mundo, Deus quis que os seres humanos vivessem em relação e contatos contínuos, que precisassem uns dos outros para seu crescimento pessoal, que tivessem outras pessoas como espelhos nas quais pudessem ver as áreas escuras e claras de seu ser de forma muito mais objetiva. No início, Deus criou o homem e a mulher a partir dos quais as famílias foram formadas. Este modelo universal de “estar juntos” tem sido reproduzido em todas as sociedades ao longo da história humana até os dias atuais.

As pessoas consagradas utilizam frequentemente a palavra “comunidade” para se referir às famílias que são reunidas para formar regiões, vice-províncias, províncias e congregações. As Congregações contemplativas têm a mesma forma de estar juntas, assim como os eremitas que, em sua maioria, vivem sozinhos, mas, fazem parte de uma Comunidade, de uma família. Da mesma forma, as associações leigas utilizam diferentes expressões para enfatizar o fato de que os membros estão juntos, expressões como grupos, equipes, etc., nas quais várias pessoas se reúnem por razões e propósitos específicos. Deus molda nossas vidas desta maneira com um objetivo muito concreto que é a missão.

Por trás de tudo está o único desejo de Jesus de ver toda a humanidade no “Céu”, em um estado de “felicidade eterna”, em um estado de “realização infinita de nossos maiores sonhos e desejos”. Nossas famílias, comunidades, grupos, equipes, etc., são caminhos para este objetivo. Assim, somos encorajados a contribuir para a construção de excelentes famílias, comunidades, grupos e equipes para colaborar no desejo mais profundo de Jesus.

São Vicente de Paulo, o místico da Caridade, fez do “estar juntos” um elemento importante de seu carisma e de sua espiritualidade. A vida comunitária é de fato uma das formas essenciais de viver a espiritualidade e o carisma vicentino. Quanto mais colocarmos nossos corações e energias na construção de famílias, comunidades, grupos e equipes saudáveis, profundamente espirituais e contemplativas, mais realizaremos nossos sonhos e objetivos, mais cumpriremos a missão que Jesus confiou a cada um de nós na terra.

Como seres humanos, sabemos que não somos perfeitos. Nós somos, particularmente, conscientes de que em uma relação quando nossos diferentes pensamentos, visões, prioridades e temperamentos se encontram, em vez de felicidade, produzem tristeza, decepção, dor, rejeição, como escreveu São Vicente a um de seus Irmãos:

Se vos conheceis verdadeiramente, deveis julgar-vos indigno de viver e admirar-vos de que Deus vos tolere. A humildade que deve brotar deste conhecimento deve levar-vos a vos ocultar ao invés de querer aparecer. As graças que Deus vos concedeu são unicamente para vós e para vos tornar melhor no lugar e no estado em que ele vos colocou”[1].

Na minha carta da Quaresma de 2017, apresentei uma meditação sobre a Santíssima Trindade como um dos fundamentos da espiritualidade vicentina. Gostaria de retomar alguns pontos desta carta que pode nos ajudar a construir famílias, comunidades, grupos, equipes, profundamente espirituais e contemplativas.

Qual é a mensagem da Santíssima Trindade para mim, para a família, para o grupo, para a equipe a qual pertenço?

Jesus nos ajuda a compreender a Santíssima Trindade: a identidade, a missão e o desígnio do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Jesus nos ajuda a compreender a relação que existe entre as três Pessoas, o vínculo íntimo que as une, a influência da Trindade tanto sobre cada pessoa, individualmente, assim como cada família, comunidade, grupo, equipe.

À medida que, com a graça de Deus, descobrimos e desenvolvemos um vínculo indissolúvel entre a Trindade e cada pessoa, entre a Trindade e a família, a Comunidade, o grupo,  a equipe, aproximamo-nos cada vez mais do modelo perfeito de “relações” que são os componentes fundamentais de nossas vidas, de tal forma que, no âmago do nosso ser, somos um com Deus, ou seja, um com a Trindade e, um entre nós.

Jesus nos transmitiu o que sabemos sobre o Pai, o Filho e o Espírito. Jesus nos apresentou a Trindade como o modelo perfeito de “relações”.

Nossa reflexão sobre a Trindade deve estar acompanhada pela vontade e o objetivo de encarnar este modelo perfeito de “relações” na situação da vida concreta na qual vivemos, na família, na Comunidade, no grupo, na equipe que pertencemos.

A Santíssima Trindade é o modelo perfeito de “relações”! Jesus nos mostra o ideal.

A relação recíproca entre o Pai e o Filho.
A relação recíproca entre o Pai e o Espírito.
A relação recíproca entre o Filho e o Espírito.
A relação Pai, Filho e Espírito.

O que podemos contemplar nestas “relações”?

  • Podemos ver que a atenção está sempre voltada para a outra pessoa e não sobre si mesma.
  • Podemos ver que a prioridade é sempre dada à outra pessoa e não a si mesma.
  • Podemos ver que o louvor, a gratidão, a admiração são sempre dados à outra pessoa e não a si mesma.
  • Podemos ver que cada uma das três Pessoas da Trindade expressa sempre a necessidade de colaborar com a outra para realizar a missão.
  • Podemos ver que cada uma das três Pessoas da Trindade sempre expressa claramente que agir sozinha seria insuficiente e ineficaz para cada uma delas.

O que o modelo das relações no íntimo da Trindade revela sobre a minha própria vida:

  1. na minha relação com Deus,
  2. na minha relação com a Comunidade?

São Vicente nos ensina como aplicar o modelo de relação da Trindade a nossa própria família, comunidade, grupo, equipe:

“Firmemo-nos nesse espírito, se quisermos ter em nós a imagem da adorável Trindade, se quisermos ter uma santa semelhança com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo. O que é que opera a unidade e a pluralidade uniforme em Deus senão a igualdade e a distinção das três pessoas? E o que o seu amor engendra senão a sua semelhança? E se entre eles não reinasse o amor, que coisa existiria de amável, diz o bem-aventurado Bispo de Genebra. A uniformidade existe, portanto, na Santíssima Trindade: o que deseja o Pai, o Filho também o quer; o que faz o Espírito Santo, fazem-no o Pai e o Filho. Agem do mesmo modo. Têm um só e mesmo poder e uma só e mesma operação. Aí temos a origem da perfeição e nosso modelo. Tornemo-nos uniformes. Seremos muitos como se fôssemos somente um, e teremos a santa união na pluralidade. Se já as possuímos em parte e não o bastante, peçamos a Deus o que nos falta, e vejamos em que nos diferenciamos uns dos outros a fim de procurar assemelhar-nos todos e nos igualar, pois a semelhança e a igualdade geram o amor, e o amor, tende à unidade. Esforcemo-nos todos por ter os mesmos afetos e a mesma acolhida às coisas que se fazem ou se permite que sejam feitas entre nós” [2].

“Enfim, vivei juntas, como tendo um só coração e uma só alma (At, 4,32), de modo que, por essa união de espírito, sejais uma verdadeira imagem da unidade de Deus, como vosso número representa as Três Pessoas da Santíssima Trindade. Para isso, rogo ao Espírito Santo, que é a união do Pai e do Filho, seja igualmente vosso espírito; vos dê uma profunda paz, nas contradições e nas dificuldades que não podem deixar de ser frequentes junto aos pobres. Lembrai-vos também que ali está vossa cruz, com a qual Nosso Senhor vos chama para si e seu repouso. Todo o mundo aprecia o vosso trabalho e as pessoas de bem não descobrem na terra outro trabalho mais honroso nem mais santo, quando é feito com devoção”[3].

Como complemento à contemplação da Trindade, a pintura do Irmão Mark Elder, CM, na entrada da Cúria Geral da Congregação da Missão de São Vicente de Paulo em Roma, pode nos ajudar a refletir sobre formas de fortalecer nossas famílias, comunidades, grupos e equipes para a missão. Como membros do Movimento da Família Vicentina, somos convidados a continuar a integrar cada vez mais a espiritualidade e o carisma vicentino em nossas vidas e nas vidas de nossas famílias, comunidades, grupos e equipes.

Na entrada da casa, a primeira coisa que alguém que vem de fora vê é a pintura que cobre as quatro paredes da entrada principal. Na parede frontal vemos a imagem de São Vicente de Paulo composta por inúmeras faces de pessoas diferentes que representam simbolicamente todo o Movimento da Família Vicentina e aqueles a quem somos chamados a servir. O Movimento da Família Vicentina, em cada momento da história, é um retrato contínuo de São Vicente.

A parede à esquerda representa as cinco virtudes que moldam nossa identidade vicentina: simplicidade, humildade, mansidão, mortificação e zelo pela salvação das almas. Embora cada Congregação ou Associação leiga pertencente à Família Vicentina possa colocar maior ênfase em algumas dessas virtudes evangélicas, ou outras, no entanto, todas elas moldam e enriquecem a nossa identidade vicentina.

A parede a direita representa os conselhos evangélicos ou, como também são chamados, os votos: castidade, pobreza, obediência. Cada pessoa é chamada a viver os conselhos evangélicos de acordo com sua própria identidade, como leiga ou consagrado. Nas diferentes congregações é possível encontrar um ou mais votos adicionais, como o voto de estabilidade mostrado nesta pintura.

A quarta parede é a parede principal de entrada, ou melhor, a parede de saída da casa. O que vemos nela? No topo da parede, acima da porta principal, vemos a imagem do Espírito Santo e a palavra “evangelizar”. Em ambos os lados da porta principal, vemos um campo de trigo onde o trigo é misturado com os mesmos rostos humanos que compõem o retrato de São Vicente na primeira parede que vemos ao entrar na casa.

Permitam-me fazer uma comparação. A riqueza dos ícones, as pinturas, os cantos litúrgicos, as velas, o cheiro do incenso e os rituais das Igrejas bizantinas nos fazem sentir como se estivéssemos no céu, vivendo a liturgia celestial quando estamos na Igreja, presente na Eucaristia. O mundo fora da Igreja é radicalmente diferente, mas ao entrar na Igreja e ao participarmos da Eucaristia, entramo-nos no Céu. Pleno de todas as graças necessárias, depois deixamos a Igreja e retornamos ao mundo.

O mesmo poderia ser dito sobre a pintura que acabamos de descrever. Plenos do Espírito de Jesus, do Espírito Santo, da espiritualidade e do carisma vicentino, saímos, como o que a pintura nos convida a fazer: para os campos de trigo do mundo, para evangelizar.

Antes de sairmos para os campos de trigo do mundo, nossas famílias, comunidades, grupos e equipes precisam ser moldados no modelo da Santíssima Trindade, revestidos da espiritualidade e carisma vicentino para que nós, como famílias, comunidades, grupos e equipes, sejamos repletos do Espírito Santo e depois saiamos para o mundo a fim de levar a Boa Nova aos pobres!

Conceda-lhe Deus a graça… de viver de maneira que o bom odor de vossas vidas e dos vossos trabalhos atraíam muitos outros a trabalhar no progresso de nossa santa religião!”[4]       

Seu irmão em São Vicente,

Tomaž Mavrič, CM

Notas:

[1] SV VI, Carta 2181 a um Irmão coadjuntor, 10 de dezembro de 1656, p. 169-170.

[2] SV XII, Conferência 206, de 23 de maio de 1659, sobre a uniformidade, p. 261-262.

[3] SV IV, carta de 30 de julho de 1651, à Irmã Ana Hardemont em Hennebont, C. 1389, p. 278-279.

[4] Cf. SV V, Carta 1924 a Charles Ozenne à Krakow, 24 de setembro de 1655, p.473.

 

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