A substância é o encontro

por | ago 17, 2022 | Formação, Reflexões | 0 Comentários

A substância da vida é o encontro. Vivemos para nos encontrarmos. É no encontro com o outro que descobrimos quem somos. É no encontro com o outro que somos pessoas.

O Júlio ligou-me no seu entusiasmo habitual, afável, ponderado, sempre próximo. Somos parceiros profissionais há mais de uma década e antes tínhamos sido vizinhos nos nossos trabalhos. Desta vez, trazia-me um convite: a APPACDM – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Viana do Castelo – completa 50 anos. Por segundos tentei imaginar o que seria meio século a cuidar de pessoas com paralisia cerebral. Como se acolhe uma família com esta diferença? Como se cuida, no dia a dia, de uma pessoa com estas caraterísticas? Não consigo imaginar o que é, por mais esforços de empatia que faça, por mais que queira ser solidário.

O meu amigo Júlio não precisa de discursos escritos para falar da realidade da pessoa com deficiência. Quando fala usa de uma simplicidade, muito sua, natural, e um à-vontade que baixa todas as nossas defesas. Como se as suas palavras nos sugerissem que viver com esta realidade é mais natural do que possamos pensar: basta não olhar com diferença e começarmos por sermos próximos. Como sugere o lema destas comemorações: “não olhes diferente, faz a diferença”.

O Júlio poderia ser como aquele meu professor, gerontólogo, que nos alertava para o facto de na última campanha eleitoral não ter ouvido uma única palavra sobre políticas para a terceira idade. E insistia que se lhe perguntassem qual a estratégia para a próxima década responderia: políticas adaptadas à terceira idade; as grandes opções para o plano e orçamento: centradas na terceira idade; projetos a contemplar no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR): as prioridades da terceira idade.

Se cuidarmos cada vez melhor, dos mais frágeis das nossas sociedades, seremos capazes de cuidar de todos os outros. Se a base do cuidar for a fragilidade, se as linhas de orientação para a governação forem pensadas a partir dos mais frágeis, seremos capazes de chegar a todos.

Acredito que a APPACDM é um farol de humanidade em todo o distrito de Viana do Castelo. Aponta, não só, as barreiras físicas e arquitetónicas, como também as nossas barreiras mentais a aceitar o outro diferente. Quando a instituição implementa um projeto de “Praias sem Barreiras” está a pensar também em pessoas cuja a idade diminuiu a mobilidade, ou em outras pessoas com problemáticas de obesidade; quando promove o “Desporto para todos”, está a tornar a prática do desporto mais equitativa e acessível a todos; quando proporciona experiências artísticas (pintura, dança, teatro, entre outras) está a promover a igualdade de oportunidades.

Para dentro, a instituição concretiza o cuidar, nos serviços de:

• 13 CACI (S) – Centro de Atividades e Capacitação para a Inclusão
• 11 Residências (5 lares de apoio e 6 lares residenciais)
• 4 Polos de Formação Profissional
• 1 Centro Educacional
• 1 Centro de Emprego Protegido
• 1 Centro de Recursos para a Inclusão – Ministério da Educação
• 1 Centro de Recursos para a Inclusão – IEFP.IP
• 1 Equipa Local de Intervenção (ELI).

Para o exterior, a instituição espelha a necessidade de sermos uma sociedade cada vez mais equitativa e atenta, realidade que esteve bem patente nos eventos que marcaram este aniversário. Destaco a Exposição Coletiva, “OLHARES”, para a qual foram convidados artistas de todo o distrito de Viana do Castelo para trabalhar a par com os artistas da APPACDM (utentes/clientes) enquadrados nas respostas dos diferentes concelhos. Dos textos que acompanham cada obra de arte sente-se o enorme desafio que foi, para os artistas, este convite superado por cada um, no estabelecimento como que de uma linguagem nova e comum. Cada peça exposta levou-me à imersão num mundo que considerava distante, mas que ali se materializava, e a refletir no que somos e nas nossas capacidades de ser e de fazer.

Para esta conversa o Júlio trouxe o conceito renovado de sinodalidade que, recentemente, nos envolveu. Estas comemorações são também o lugar e o momento de escutar a comunidade, de dentro e de fora da instituição, estabelecer pontes, criar como que uma nova linguagem e trazê-la à comunidade. É um momento privilegiado de encontro no presente preparando o futuro…

João Pedro Chantre

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