Ao lado do povo, por palavras e obras

por | nov 11, 2020 | Formação, Reflexões | 0 Comentários

Convidamos vocês a descobrirem Frederico Ozanam através de seus próprios escritos, cofundador da Sociedade de São Vicente de Paulo e um dos membros mais queridos da Família Vicentina (embora, ainda pouco conhecido).

Frederico Ozanam escreveu muito nos seus 40 anos de vida. Estes textos – que chegam até nós de um passado não muito distante – são reflexos da realidade familiar, social e eclesial vivida por seu autor que, em muitos aspectos, tem muita semelhança com a que vivemos atualmente, particularmente no que se refere à desigualdade e à injustiça que sofrem milhões de empobrecidos em nosso mundo.

Comentário:

Uns dias antes da queda da Monarquia de Julho[1], apareceu publicado no periódico Le Correspondant um artigo intitulado “Os perigos de Roma e suas esperanças”[2], em que Ozanam estabelecia um paralelismo entre a atitude da Igreja nos tempos do baixo Império Romano e a invasão dos bárbaros, e a que teve o pontificado de Pio IX diante da sociedade de seu tempo, quando desmoronaram os impérios sob as incipientes democracias[3]. O artigo terminava com estas palavras que levantaram entre muitos católicos – Montalembert[4], por exemplo – uma tempestade de protestos: “passemos aso bárbaros e sigamos a Pio IX”.

Neste contexto, poucos dias após a Revolução de fevereiro, Ozanam escreveu para seu irmão, o abade Afonso:

Se um número maior de cristãos […] tivessem se ocupado com os operários há dez anos, nos sentiríamos mais seguros sobre o futuro[5].

Ozanam começa este parágrafo com uma exortação ao diálogo e à cooperação, dirigida a todos os católicos franceses. Justamente antes destas palavras, havia lembrado que, nos século VIII, milhares de franceses foram “evangelizar os bárbaros do norte, para dar-lhes, não somente a fé, mas também as leis, cidades e escolas. Que o pontificado moderno oriente também aos católicos franceses pelo caminho que está se abrindo”. Ele tem consciência de que muitos de seus correligionários sentem “repugnância e ressentimentos” para com a democracia e para com pessoas comuns. Alguns católicos influentes ansiavam por outras épocas, quando a Igreja exerceu sua influência sobre um governo declaradamente católico.  Ozanam sabe que este tempo não pode e nem deve voltar, e chama os fiéis a viverem os novos tempos como uma oportunidade de levar a fé para “este povo que não nos conhece”. Para fazer isso, indica que não é suficiente a palavra – “nossas pregações”; pelo contrário, o povo nos reconhecerá como fiéis autênticos se virem que tornamos efetivo o evangelho com nossas obras, como disse São Vicente de Paulo[6], no tempo e no lugar em que vivemos.

Em outro texto, Ozanam defendia a esmola: a ajuda imediata ao Pobre é necessária e imprescindível. Mas ele quer que não fiquemos só ali, e que ajudemos o necessitados a sair de sua miséria, entre outras maneiras “com nossos esforços para conseguirmos instituições que os libertem, e os tornem melhores”.

Novamente, a noção de mudança sistêmica aparece no pensamento de Ozanam: é claro que devemos ajudar nas necessidades urgentes, mas também devemos provocar mudanças no sistema para que não haja mais pessoas que passem necessidades; uma das maneiras é fazer parte das instituições que tem capacidade para realizá-lo,

  1. humanizando as instituições sociais e políticas;
  2. orientando-as para um autêntico propósito, fazendo com que se dediquem para o bem daqueles que mais necessitam de seus serviços.

“Passemos aos bárbaros”, é portanto, uma expressão de Ozanam que está repleta de conteúdo:

  • é um convite a viver entre o povo, a fazer parte dele, preocupar-se com ele, a ser uma Igreja em saída, de portas abertas;
  • é uma crítica às enormes distâncias que separavam a burguesia e a alta sociedade, da classe trabalhadora em Paris[7];
  • é, enfim, um chamado para construir o Reino de Deus, no qual os mais humildes são os primeiros.

Sugestões para reflexão pessoal e conversa em grupo:

  1. Que aspectos da mudança sistêmica estamos promovendo e desenvolvendo em nossas obras e serviços locais? O que mais poderíamos fazer?
  2. Há, em nosso país, católicos no âmbito sócio-político que defendam o ponto de vista de Ozanam?

Notas:

[1]   A Monarquia de Julho começou em 1830 com a Revolução de Julho ou os Três Gloriosos (Trois Glorieuses) dias revolucionários de Paris (27,28 e 29 de julho), que colocaram no trono Luís Felipe I da França, da Casa de Órleans. É uma das chamadas revoluções burguesas ou liberais. Terminou com a Revolução de Fevereiro de 1848, que foi uma insurreição popular que começou em Paris, de 23 a 25 de fevereiro de 1848. O rei Luís Felipe I foi obrigado a abdicar, dando lugar para a Segunda República Francesa.

[2]   «Les dangers de Rome et ses espérances» foi publicado em 10 de fevereiro de 1848; com alguns retoques (“o Senhor Lenormant […] me pediu para sacrificar algumas expressões que eu corrigi”, carta a Theophile Foisset, de 22 de fevereiro de 1848), ele transcreveu uma palestra proferida por Ozanam, logo após seu regresso da Itália: “Ele fez um discurso no Círculo Católico, no qual descreveu o que testemunhou na Cidade Eterna, a atitude do Papa, o efeito de sua política liberal sobre a população romana até então, e as esperanças e temores que ele encarnou para Roma e para todo o mundo. O discurso, um elogio entusiasta da revolução pacífica que a política papal estava realizando, terminava com as palavras: “Passemos aos bárbaros! Sigamos a Pio IX!”. A imprensa retomou a expressão clamando contra Ozanam e aí se produziu uma grande polêmica entre seus apoiadores e os jornais. Ozanam não participou, mas contentou-se em explicar em privado, para alguns amigos, o verdadeiro significado da expressão contestada, pois considerava que Pio IX estava cumprindo aquilo que o partido liberal em todo o mundo vinha trabalhando e esperando por quase um quarto de século, e que era preciso que os católicos se unissem ao movimento e seguissem o papa, passando com ele aos bárbaros”. Cf. O’MEARA, capítulo XXI.

[3]   Para informações mais detalhadas, pode consultar: «Una Iglesia pobre y para los pobres».

[4]   Charles Forbes René de Montalembert (1810–1870), foi um político, jornalista, historiador e publicitário francês, proeminente expoente do catolicismo liberal e defensor da liberdade de ensino.

[5]   Cf. Carta para Alphonse Ozanam, de 15 de março de 1848.

[6]   “Pode-se dizer que vir a evangelizar os Pobres não significa apenas ensinar os mistérios necessários para a salvação, mas fazer todas as coisas preditas e figuradas pelos profetas, para tornar efetivo o evangelho” (SVP ES XI-3, 391).

[7]   Marc Girardin (1801–1873), político e homem de letras, escreveu com desprezo no Journal des Débats de 1831: “Os bárbaros que ameaçam a sociedade não estão no Cáucaso, nem nas estepes tártaras. Estão nas periferias de nossas cidades manufatureiras”.

Javier F. Chento

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