Estamos para iniciar a Semana Santa, tempo que a Igreja nos oferece para intensificar nossa comunhão com o Senhor Jesus, através da contemplação e da celebração de seu mistério pascal. O intuito não é outro senão aquele de formar Cristo em nós (cf. Gl 4,19), inserindo-nos no dinamismo fecundo de sua vida doada por amor. São Vicente não deixou por menos, ao exortar seus Missionários: “Peço a Nosso Senhor que possamos morrer para nós mesmos, a fim de ressuscitar com ele. Que ele seja a alegria de vosso coração, o fim e a alma de vossas ações e vossa glória no céu. Assim o será, se, doravante, nós nos humilharmos como ele se humilhou, se renunciarmos a nossas próprias satisfações para segui-lo, carregando nossas pequenas cruzes, e se entregarmos de bom grado nossa vida, como ele entregou a sua, por nosso próximo, que ele tanto ama e quer que amemos como a nós mesmos” (SV III, 629).
A seguir, apresentamos breves resumos do sentido espiritual de cada dia da Semana Maior, de modo que possamos vivenciá-la iluminados pela Palavra de Deus, nutridos pela Liturgia e inspirados pela espiritualidade vicentina. E o fruto maduro que esperamos colher é o de uma crescente conformidade com Jesus Cristo, evangelizador dos pobres, que nos convida a despertar auroras de ressurreição em meio às noites da história.
DOMINGO DE RAMOS
Iniciamos a Semana Santa. Com ramos nas mãos, aclamamos “aquele que vem em nome do Senhor”, humilde, despojado, sereno, decidido a dar a vida por amor, num gesto de soberana liberdade (cf. Mt 21,1-11). Eis a razão pela qual Jesus se mantém silencioso diante de seus acusadores: sua defesa é sua própria fidelidade, a integridade de sua vida, a coerência entre suas palavras e ações. O Pai o conhece e o sustenta. De Jesus, Messias-Servidor, aprendemos que não há nada mais importante do que uma consciência reta e um coração generoso, porque a vida só cresce e amadurece na medida em que se doa. Com razão, portanto, dirá Vicente de Paulo: “Quanto mais nos assemelharmos a Nosso Senhor despojado, mais participaremos de seu espírito” (SV VIII, 151).
SEGUNDA-FEIRA SANTA
Perto de Jerusalém, sentindo o peso da perseguição, Jesus de Nazaré faz uma parada em Betânia, calorosamente acolhido pelos amigos (cf. Jo 12,1-11). Estes parecem não temer o perigo. Aprenderam a ser livres como o Mestre, livres para amar e servir. O gesto silencioso e audaz de Maria, irmã de Marta e Lázaro, recorda a Jesus a unção recebida do Pai e o conforta com o bálsamo e a fragrância de um amor sincero e puro. Diferente é o sentimento que move Judas, em busca de si mesmo, dissimuladamente voltado para os próprios interesses. O Filho de Deus prossegue sua marcha. A semente lançada não se perderá, porque jamais deixa de frutificar a vida que se entrega na liberdade do amor. O Pai saberá o que fazer. Eis o desejo de São Vicente para os seus: que nos tornemos verdadeiros amigos de Cristo. “Peço a Nosso Senhor que seja a vida de vossa vida e a única pretensão de vosso coração” (SV VI, 562). Só assim, seremos autênticos missionários.
TERÇA-FEIRA SANTA
Ao redor de Jesus, a noite se faz mais densa. A traição se insinua, comovendo o Mestre e desconcertando os discípulos (cf. Jo 13,21-33.36-38). Mesmo amado e escolhido, Judas se deixa invadir pelo mal, afasta-se do Senhor e dos irmãos e se põe a executar o que lhe interessa. Pedro se mostra valente, mas, pouco depois, não resistirá à tentação de negar aquele por quem se dizia disposto a dar a vida. O discípulo amado se mantém ali, reclinado sobre o peito do Mestre, tentando perscrutar seu coração. Em meio a tudo isso, Jesus se reconhece glorificado pelo Pai e pronto a glorificá-lo. Glória de um amor que não se deixa vencer pela infidelidade e pela negação dos seus. Glória de uma vida que se torna plena enquanto se doa. Sabemos: aplaudidos ou rejeitados, nada mais necessário do que “revestir-nos do espírito do Evangelho, a fim de viver e agir como viveu Nosso Senhor e fazer que seu amor transpareça em nossas obras” (SV XII, 107).
QUARTA-FEIRA SANTA
Hoje, em muitas comunidades eclesiais da América Latina, é o dia do Encontro. Encontro entre o Senhor dos Passos sofridos e a Senhora das Dores solidárias. Encontro entre o amor que se oferece e o amor que fortalece. E o que dizer de nossos encontros? Comunicam paz? Infundem esperança? Geram alegria? Sabemos encontrar os outros em suas necessidades e sofrimentos? E o que temos a oferecer àqueles a quem encontramos? Uma presença inspiradora? Uma palavra que conforta? Um gesto que encoraja? Aprendamos do encontro de hoje: a fidelidade de Jesus foi revigorada na compaixão de sua Mãe. Como nos ensina o Papa Francisco, a “revolução da ternura” não se faz sem a “cultura do encontro”. Para tanto, como Maria, “formemos nossas afeições sobres as de Jesus Cristo, a fim de que seus passos sejam a regra dos nossos no caminho da perfeição” (SV XI, 227).
QUINTA-FEIRA SANTA
Recordamos, hoje, a instituição da Eucaristia, sacramento do amor que se faz serviço (cf. Jo 13,1-15). Naquela ceia de despedida, Jesus se põe a lavar os pés de seus discípulos, revelando a surpreendente novidade de seu mistério e a dinâmica do amor que deve distinguir seus seguidores: inclinar-se sobre os outros, colocar-se à disposição de todos e de cada um, para, assim, atingir a estatura do Mestre e Senhor, a liberdade de um amor sem medidas. É nessa luz que se deve compreender o ministério dos sacerdotes, cuja instituição se liga à celebração de hoje. O padre nada mais é do que um homem que ama e serve, que se doa e perdoa, um pobre que enriquece, um pecador que reconcilia, porque nada do que lhe foi dado pode ser retido. Sua vida é dom, é pão repartido, prolongamento da Eucaristia, porque “Cristo depositou em nós a semente do amor que gera semelhança” (SV XI, 145).
SEXTA-FEIRA SANTA
Hoje, não precisaríamos multiplicar palavras, tamanho o mistério que nos envolve ao contemplar a paixão e morte do Senhor. O amor feito serviço no lava-pés agora se entrega na cruz (cf. Jo 18,1-19,42). E o faz livremente, para dizer-nos que fomos reconciliados e salvos por um amor sem limites. O Crucificado tomou sobre si nossas dores e dramas, sofrimentos, angústias e esperanças. Nada deixou de ser redimido. Desde então, ninguém pode se sentir abandonado e só. “Tenhamos por certo que Deus nos concederá a graça de carregar serenamente nossa cruz, de seguir de perto Jesus Cristo e viver de sua vida no tempo e na eternidade” (SV XII, 227). Com sua morte, Cristo visitou nossas solidões, dissipou nossas trevas, afugentou nossos medos. E, nesta sexta-feira, nós nos colocamos aos pés de sua cruz, com Maria, sua mãe, e com aqueles que se mantiveram fieis até o fim. Vendo-o crucificado, tomamos consciência do muito que recebemos e de tudo o que ainda nos cabe fazer para corresponder a um amor assim tão grande. Que saibamos colocar-nos ao lado dos crucificados da vida, com a solidariedade do Cirineu, com a compaixão das discípulas, com a serena fortaleza da Mãe.
SÁBADO SANTO
Um grande silêncio envolve a Terra. Entrando nas sombras da morte, o Filho de Deus desceu ao abismo mais profundo da existência. Àqueles que decidiram seguir Jesus de Nazaré, a cruz parecia ter sido o trágico fim da vida, da esperança e do amor. Um inaceitável fracasso! Triunfo do pecado e do mal que conduziram ao absurdo da morte a quem só fez o bem. Mas este não poderia ser o fim daquele a quem o Pai haveria de ressuscitar, fazendo-o derrotar toda negatividade do coração humano e do mundo. Na noite santa de hoje, a luz dissipa a escuridão, o louvor rompe o silêncio, a solidão é povoada, a beleza e a bondade reflorescem, a vida desponta em todo seu esplendor. O Cristo Ressuscitado abriu-nos o caminho do amor eterno, da paz que não passa, da esperança que não decepciona, da vitória final. À luz da fé, quanto mais densa é a noite, mais promissora é a aurora que germina em seu seio (cf. Lc 24,1-12). Nada melhor, então, do que ouvir, como se dirigidos a nós, estes augúrios pascais de São Vicente: “Vivei de uma vida toda nova e toda divina em Jesus Cristo Ressuscitado. Pedi-lhe esta graça para todos nós, a fim de que busquemos e aspiremos, sem cessar, as coisas do alto e para lá caminhemos, com as obras de nossa vocação, para atrair muitos outros para o Céu” (SV VIII, 278-279).
DOMINGO DA RESSURREIÇÃO
Cremos em ti, Senhor Jesus Cristo,
tu que por nós deste a vida.
Cremos que, ressuscitado,
vives eternamente na glória do Pai
e, pela força de teu Espírito,
acompanhas nossos passos vacilantes
neste mundo de trevas e luz.
Tua Ressurreição é a novidade que não envelhece,
a mão estendida que nos levanta,
o bálsamo que cura nossas feridas,
o consolo que nos acalma,
a brisa que seca nossas lágrimas,
a melodia que nos encanta,
a paz que nos revigora,
a fragrância que perfuma o mundo,
a palavra definitiva do amor.
Hoje, pedimos somente
a graça de viver contigo,
aquecidos por tua companhia,
confortados por tua amizade,
despertando novas auroras de Ressurreição,
em nós e ao nosso redor,
até que, na eterna luz em que habitas,
nossas escuras noites se convertam em claro dia.
Amém. Aleluia.
Pe. Vinícius Augusto Teixeira, CM
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